Afinal, qual o real tamanho de Ayrton Senna na história da F1?
O fim do mês de março sempre traz à lembrança do aniversário de Senna, mas afinal, qual o lugar dele na história?
Na semana que passou, um evento agitou o mundo do automobilismo no Brasil, apesar do vazio deixado pela falta de um final de semana de corrida de Fórmula 1. Carros elétricos correndo no sambódromo em São Paulo pela Fórmula E? Não… Estamos falando do aniversário de Ayrton Senna, até hoje um dos maiores ídolos da história do Brasil.
E falar de Senna é sempre um desafio pessoal pra mim. Eu nasci no ano de 1997, três anos depois da partida precoce do piloto naquele fatídico GP de San Marino de 1994. Isso significa, dentre outras coisas, que eu cresci com um certo distanciamento histórico da grande personalidade que foi Senna.
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Eu não estava neste plano para me chocar com sua morte e nem muito menos para me emocionar com as homenagens que se sucederem — seja a marcante faixa da Seleção do tetra em plena Copa do Mundo, ou o intenso evento público que foi seu velório.
Meus pais, apesar de gostarem de automobilismo, nunca foram os maiores fãs de Fórmula 1 e, portanto, também não me passaram esse amor pela vida e obra de Ayrton. Isso em si não seria uma questão importante para mim se a minha profissão não tivesse, literalmente, se tornado falar de Fórmula 1 na internet 24 horas por dia.
Mas, como a vida dá mais voltas que Mick Schumacher no circuito de Jeddah (não que seja grande feito), cá estou eu recebendo uma série de comentários, digamos, pouco encorajadores, a cada dia que eu posto um vídeo sobre Senna no Tik Tok.
E eu entendo exatamente o porquê. Diante de todo o meu já explicitado distanciamento dele, a figura do ídolo máximo do automobilismo brasileiro não é intocável na minha cabeça. Só que na cabeça de outros incontáveis brasileiros, que cresceram vendo a história ser escrita ou ouvindo ela ser contada, Senna é apenas herói e nada mais.
Afinal, como criticar o homem que parou o próprio treino livre para salvar a vida de um adversário que estava em um carro prestes a se incendiar?
Como questionar o homem que venceu uma corrida na sua terra natal com apenas uma marcha funcionando nas voltas finais? Como duvidar do homem que fez dez ultrapassagens em uma única volta em sua recuperação para ser campeão do mundo no GP do Japão de 1988?
E, acima de tudo, como falar mal daquele que se foi tragicamente enquanto representava a nossa bandeira para o mundo todo? É de fato uma trajetória heroica, eu jamais questionarei isso.
Por outro lado, o ponto que eu gosto de defender é que o esporte, exatamente aquilo que fez de Senna um gigante, felizmente conta diariamente novas histórias que alimentam também as trajetórias de outros.
Se um dia no passado o nosso Ayrton saltou do seu carro para ajudar um adversário, no presente George Russell fez parecido ao tentar ajudar como podia Guanyu Zhou após o capotamento do chinês na Inglaterra em 2022.
Se um dia no passado o nosso Ayrton venceu uma prova sem marchas, no presente Lewis Hamilton fez parecido ao vencer uma corrida com apenas três pneus em Silverstone em 2020.
Se um dia no passado o nosso Ayrton fez dez ultrapassagens em uma volta, no presente Kimi Raikkonen fez parecido ao passar nove adversários em Portugal em 2020.
E se Senna infelizmente nos deixou ao pilotar um carro de Fórmula 1 enquanto atualmente as chances de um acidente fatal na categoria diminuíram muito, e muito por conta da luz que o acidente do brasileiro colocou sobre discussões acerca da segurança dos pilotos em pista.
Mas se você leitor que chegou até aqui está tão revoltado comigo quanto Toto Wolff esteve com Michael Masi na última volta de Abu Dhabi 2021, tenha calma. Nada disso que eu falei diminui o legado de Senna.
A questão que eu quero mostrar é que ele pode até, merecidamente, ser inquestionável como ídolo e personalidade. Mas como piloto não.
O Senna que perdeu um campeonato para o seu companheiro de equipe dentro de um recorte de três disputados, assim como Hamilton, ou o Senna que era acusado de passar dos limites ao jogar o carro para cima de adversários diretos, assim como Verstappen, esse sim é falível, como qualquer outro ser humano.
De qualquer forma, não me levem a mal, eu ainda acho o brasileiro um dos maiores nomes da história do automobilismo e, principalmente, o rosto que mudou para sempre a Fórmula 1.
Numa canetada magistral algum tempo atrás, o também brasileiro Don L escreveu “eu sou o rapper favorito do seu rapper favorito” — e no final das contas, eu acho que é isso que o Senna é. Ele é o piloto favorito dos nossos pilotos favoritos.
Ele não é o maior campeão da história da categoria, mas é o piloto favorito de quem o é. E isso diz muito sobre ele.
Ainda assim, nós temos a mania de procurar beleza em perfeições inventadas, quando na verdade a real beleza está nas imperfeições e contradições do nosso caminho.
O nosso Ayrton provavelmente não é o maior piloto da história da Fórmula 1… mas nunca precisou ser para ter o tamanho que tem. Para ele basta ser nosso. E isso ele para sempre será.
Esteja onde estiver, parabéns, campeão.
Imagens: Divulgação/ayrtonsenna.com.br
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.
Caio Diniz é relações públicas e ama todo tipo de esporte. É host do podcast Cronômetro Zerado, espaço no qual aborda a Fórmula 1 sempre de maneira leve e bem humorada.
Instagram: @cronometrozerado
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