Elétricos dão prejuízo de R$ 34 mil a cada venda e 1.0 do Brasil cobre rombo
Com os preços dos populares batendo na casa de R$ 100 mil, brasileiro é quem cobre rombo no além-mar; “consumidor dá muito valor para modelos ultrapassados”, diz MIT
Quando o assunto é andar para trás, não há nação neste mundo que “ultrapasse” o Brasil. Hoje, nosso subdesenvolvimento intelectual supera os tropeços macroeconômicos e apesar do enorme impulso global, no sentido de uma vida mais sustentável, a virada da eletromobilidade não entra na cabeça do “tupiniquim das cavernas”.
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Mas o brasileiro não dá marcha a ré sozinho, quando se trata deste assunto, e temos que reconhecer o papel preponderante das montadoras estrangeiras instaladas no país que, na medida da necessidade de desovarem por aqui os veículos e as tecnologias que jazem no além-mar, o que não falta é desinformação para quem paga mais por um Volkswagen Polo (a partir de R$ 96.490 ou o equivalente a 80 salários mínimos) e por um Fiat Argo (a partir de R$ 86.990 ou o equivalente a 72 salários mínimos), do que um português paga por um (a partir de 53.950 euros ou o equivalente a 66 salários mínimos de lá).
Aqui, é importante destacar que, enquanto ambos os compactos
nacionais são equipados com motores 1.0 litros a combustão interna, que não
passam de 84 cv de potência e têm autonomia máxima de 15,2 km/l, o modelo dos
lusitanos é um EV, 100% elétrico e que, para além dos 190 cv, tem consumo de
eletricidade equivalente a 62,5 km/l de gasolina.
Posto isto, nos vem uma pergunta: afinal de contas, porque os mesmos grupos e fabricantes que pregam a aposentadoria dos automóveis tradicionais, nos países de Primeiro Mundo, se contradizem no Brasil, garantindo que uma combinação da tecnologia híbrida com o etanol é a melhor solução para o nosso mercado?
“É claro que existem diferenças regionais e de segmento, nada mais natural do que isso, quando se trata de um negócio global. Mas a eletrificação de suas gamas trouxe um enorme gasto para as montadoras e o maior deles remete ao conjunto de baterias que, atualmente, representa de 30% a 35% do custo total de um EV”, explica o sócio do Boston Consulting Group (BCG), uma das ‘Big Three’ consultorias de gestão do mundo, Mattia Rodriquez.
“Olhando para 2030, este percentual deve diminuir, atingindo
cerca de 20-25%, mas não podemos esquecer da eletrônica embarcada, de todos os
componentes e softwares muito mais avançados do que os presentes nos veículos
do passado, que também trazem maiores custos de pesquisa e desenvolvimento”,
acrescenta.
Em outras palavras, alguém tem que pagar esta conta e, no caso do consumidor brasileiro, ele que sue a camisa para garantir as remessas de lucro que as montadoras enviam para matrizes que, bem longe daqui, financiam e subsidiam o preço final dos EVs vendidos por lá.
“Dados do estudo que acabamos de publicar, ‘Can OEMs Catch the Next Wave of EV Adopters?’, apontam que 40% dos motoristas já estão prontos para adquirir um veículo elétrico, contanto que o tempo de recarga das baterias não ultrapasse 30 minutos e tenha alcance de 550 quilômetros. São requisitos que, hoje, alguns modelos já conseguem satisfazer”, pontua Rodriquez, lembrando que não se pode esquecer a questão da infra-estrutura de carregamento. “Uma rede ampla necessita de investimentos conjuntos por parte dos governos e operadores privados”.
Colonialismo automotivo
O dado mais importante do estudo divulgado pela BCG reporta que, em média, cada EV produzido e vendido pelas marcas ocidentais representa um prejuízo de US$ 6 mil (o equivalente a R$ 34 mil). Bom, quando se observa a inflação do zero-quilômetro, no Brasil, e os preços dos populares batendo na casa de R$ 100 mil, dá para imaginar quem está cobrindo este rombo, afinal, as gigantes do setor têm que remunerar seus acionistas e ninguém, em sã consciência, imagina que elas estão sacrificando os dividendos de seus investidores para fazê-lo.
“Em vez de, simplesmente, descartarem seus portfólios de
modelos a combustão interna, os fabricantes os enviarão para países em
desenvolvimento, onde mesmo com rendas limitadas, os consumidores dão muito
valor para veículos que, nos países ricos, são considerados ultrapassados e de
qualidade inferior”, leciona o membro sênior da Mobility Initiative, grupo do
Instituto de Tecnologia Massachusetts (MIT) que examina políticas de
transporte, David Zipper.
E o que se vê no Brasil, hoje, é apenas o início de um processo muito maior de desova. “É exatamente isso que ocorrerá com os milhões de carros de passeio e comerciais leves equipados com motores a combustão, que norte-americanos e europeus não querem mais. Isso porque, apesar da recente desaceleração nas vendas dos EVs, que não deve ser confundida com queda comercial, as previsões globais continuam otimistas. Países na América do Norte, Europa e Ásia estão expandindo suas redes de recarga e oferecendo subsídios. Até 2030, o volume mundial de veículos 100% elétricos deve quase triplicar, atingindo 40 milhões de unidades anuais”, prevê Zipper.
Para além do choque de realidade, o pesquisador deixa claro que essa espécie de colonialismo automotivo não mitigará a urgência climática. “Apesar de os híbridos serem bem-vindos para os países do Sul Global, onde o automóvel ainda é visto como um item aspiracional, apenas mudar os carros que usam gasolina – ou etanol – de um país para outro não irá reduzir as emissões globais. No final das contas, os próprios países em desenvolvimento serão sufocados pela questão da sustentabilidade”, assegura Zipper. “
O mundo vive uma crise generalizada e a virada da eletromobilidade é inexorável. Trata-se de um tema espinhoso, mas o Primeiro Mundo já está compensando as coisas, administrando a transição e descartando seus motores a combustão nos países pobres e em desenvolvimento”, conclui.
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.
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