Guerra Rússia x Ucrânia afetará preços de carros e combustíveis ainda mais
Russos têm grande relevância na produção de petróleo e metais como alumínio e paládio. Cotações já começaram a disparar e impactarão na produção de veículos
Os doutorados em Facebook, Instagram e WhatsApp estão ditando cátedra sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia nas redes sociais. Longe dos delírios diplomáticos desses “especialistas”, a indústria automotiva se prepara para aumentos nos preços dos combustíveis e de commodities como cobre e silício que, hoje, são essenciais para o setor.
A expectativa é que as ações militares e a implementação de sanções econômicas à Rússia se somem à falta de semicondutores, que está longe de ter uma solução a curto prazo, trazendo danos colaterais para toda a cadeia produtiva, dos fornecedores às montadoras, isso nos Estados Unidos, Europa e Ásia.
Isso porque os russos são o terceiro maior produtor mundial de níquel, usado nas baterias dos modelos elétricos (EVs), além de dono de 40% do paládio usado nos conversores catalíticos dos veículos equipados com motores a gasolina e diesel.
“Se o presidente russo retaliar contra o Ocidente, cortando o fornecimento de paládio, as grandes marcas teriam que encontrar suprimentos alternativos tanto para seus elétricos quanto para os modelos equipados com motores a combustão”, destacou à “NBC News” Sam Abuelsamid, principal analista da Guidehouse Insights, consultoria de mercado que cobre a transformação global de energia.
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Níquel, paládio, alumínio, gás natural...
É verdade que a África do Sul e o Zimbábue também são grandes produtores de paládio, mas, mesmo antes de as tropas russas cruzarem a fronteira com a Ucrânia, o preço deste metal já havia subido rapidamente.
No final do ano passado, a onça (equivalente a quase 30 gramas) do mineral era cotada em US$ 1.600 (o equivalente a R$ 8.180). Na última quarta-feira, sua cotação subiu 50% e foi a mais de US$ 2.400 (R$ 12.270) a onça.
Apenas para o leitor ter uma ideia do quão este assunto é importante e do impacto dessa alta nos preços finais dos automóveis, estima-se que só este aumento no valor do insumo determine um acréscimo no custo de produção que vai de US$ 150, no caso de um veículo compacto, a mais de US$ 200 no caso de um SUV.
O alumínio já subiu 4,8%, chegando a US$ 3.449 a tonelada (o equivalente a R$ 17.590), o que representou um novo recorde na cotação, superando uma marca de 2008. O níquel também alcançou seu maior valor de mercado, desde 2011. Isso no momento em que os preços dos zero-quilômetro atingem a estratosfera.
“Estamos monitorando se o embarque de lingotes de alumínio da Rússia para a Europa será interrompido”, ponderou o analista Zhong Mingzheng, da consultoria industrial Jinrui Futures.
“Vale citar que uma interrupção nas exportações de gás natural, a partir da Rússia, aumenta os custos de energia nas metalúrgicas europeias, prejudicando a produção de partes automotivas em alumínio”. Ou seja, há uma espécie de “efeito borboleta”, que já elevou o preço da energia elétrica em 15% na Europa.
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Grandes fabricantes no olho do furacão
Não são poucas as gigantes do setor automotivo que estão presentes no coração da antiga União Soviética em parceria com empresas russas, a destacar a Renault, que, dentre outras marcas, é controladora da Lada.
“As sanções que já foram anunciadas vão impactar, diretamente, montadoras europeias e asiáticas”, avalia o presidente da AutoTrends Consulting, Joe Phillippi.
A Stellantis produz veículos das marcas Dodge, Jeep e Peugeot em Kaluga, cidade que fica a 180 quilômetros de Moscou, com foco nas exportações, e já havia anunciado o plano de exportar transmissões para o Ocidente.
“Se não pudermos enviar nossos produtos [a partir da Rússia] e essa for a realidade, teremos que transferir a produção para outras plantas ou, simplesmente, reduzir os volumes”, disse o CEO (presidente-executivo) da companhia, Carlos Tavares, na última quarta-feira.
Outros grupos que também terão problemas, em função dos bloqueios internacionais, são Volkswagen e Toyota. Os índices de nacionalização que estas empresas têm na Rússia são de 75%, o que quer dizer que pelo menos 25% dos veículos que produzem lá demandam componentes importados, inclusive dos EUA – principal opositor do governo Putin hoje.
“Tanto Rússia quanto Ucrânia são países importantes na cadeia global de suprimentos, incluindo matérias-primas usadas em semicondutores”, lembra o diretor de pesquisa da IDC India, consultoria global de inteligência de mercado, Navkendar Sigh.
“Em termos globais, os carros elétricos tendem a manter seu mercado, mas as vendas de motocicletas podem cair se os combustíveis subirem muito de preço”, acrescenta, fazendo referência ao petróleo que o país exporta.
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Petróleo
A Rússia é um dos maiores produtores de petróleo bruto e há uma expectativa para que o preço do barril fique na casa acima dos US$ 100 – no ano passado, o preço médio foi de US$ 70. Uma análise da líder mundial em serviços financeiros, a JP Morgan, estima que o PIB global cresça “apenas 0,9%, se o aumento nos preços do petróleo chegar aos US$ 150”.
Antes mesmo da conflagração, a crise entre Rússia e Ucrânia já havia gerado “um déficit diário de 900 mil barris”, calcula o presidente e diretor administrativo da Hindustan Petroleum, MK Surana.
Fato é que os preços não só do petróleo, mas também do GLP (gás liquefeito de petróleo) terão uma alta considerável, com implicações negativas para países que são importadores líquidos de energia.
Longe da Europa, as duas maiores montadoras dos Estados Unidos estão fora do mercado russo há anos. A Ford encerrou suas operações fechando a fábrica que tinha em São Petersburgo em 2019. A General Motors começou a debandar em 2015, vendendo sua participação industrial para a Avtovaz (a fabricante da marca Lada) também em 2019.
Agora controlada pela francesa Renault, a Avtovaz já publicou um comunicado oficial dizendo que procura “fontes alternativas de suprimentos, como semicondutores”, mas justificou que é "prematuro" prever como a crise afetará sua produção.
Isso ocorre em função de ainda não estar claro qual ou quais dos aliados dos EUA adotarão as novas sanções. Isso sem falar que os aliados da Rússia podem revidar em termos comerciais.
Mais uma vez, fica claro que não só o eixo produtivo, mas também o eixo político do mundo virou para China: “A grande questão é o que os chineses farão a partir de agora”, sublinhou Abuelsamid, da Guidehouse Insights.
“Se aplicarmos sanções pesadas à Rússia, a China pode tomar partido e nos cortar muitas coisas das quais precisamos muito, como o lítio para fabricação de baterias de EVs. Há razões para os fabricantes se preocuparem, até porque a cadeia de suprimentos anda fragilizada, mas ainda é cedo para determinar a amplitude de mais esta crise”, acrescentou.
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E o Brasil?
Até pela obrigação de contextualizarmos o Brasil naquilo que muita gente vem reportando como uma eventual “3ª Guerra Mundial”, não bastasse a visita diplomática inoportuna à Rússia, que foi tratada no campo da metafísica por aqui, nossa indústria não consegue sequer abanar as mãos, sugerindo que está aqui com grande capacidade ociosa e disposta a ajudar na reconfiguração da produção – o que abriria uma brecha para o país se requalificar como polo industrial.
Estamos entre um incidente de sanidade mental e a passividade de quem foi completamente deslocado da globalização. Lembrando que, diante do desmonte do braço químico da Petrobras, o Brasil hoje importa esterco – isso mesmo, esterco! – da Rússia, o que pode refletir no aumento dos produtos agropecuários.
Isso sem falar na pressão que toda essa crise gerará sobre os preços dos combustíveis (atrelados fortemente ao valor internacional do barril do petróleo, apesar de nossa autossuficiência em produção) e também dos carros no país (por conta do aumento nos custos dos metais).
Ou seja, mesmo sem termos aparentemente nada a ver com a crise, algum preço nós vamos pagar, independentemente de paz ou guerra.
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.
Imagens: Shutterstock e Agência Brasil
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