Carro autônomo não passa de lenda ou será mesmo viável?
Nos últimos 12 anos, a indústria automotiva gastou US$ 160 bilhões (o equivalente a R$ 805 bilhões) em um sonho que ainda não se materializou
Quase R$ 1 trilhão e, até agora, quase nada. Nos últimos 12 anos, a indústria automotiva gastou US$ 160 milhões (o equivalente a R$ 805 bilhões) no sonho do transporte autônomo, é o que aponta a consultoria McKinsey & Company, que oferece serviços para governos e corporações.
Pouquíssimo conhecida, no Brasil, a Argo AI foi a grande esperança para Ford e Volkswagen na busca de investimentos para seus respectivos programas de direção autônoma. Em agosto de 2016, o ex-chefão da companhia norte-americana Mark Fields, anunciou que a Ford iniciaria suas vendas de veículos capazes de rodar sozinhos (AVs), “em cinco anos”.
Na época da promessa, Fields foi enfático: “isso significa que não haverá volante, não haverá pedal de acelerador, não haverá pedal de freio e, claro, não será necessário um motorista”. Bom, 2021 ficou para trás, 2023 já se anuncia e, de concreto mesmo, a única coisa que ambas as marcas têm é de um investimento conjunto que chega à casa dos US$ 5,3 bilhões (o equivalente a R$ 26,7 bilhões).
A startup foi fechada na semana passada, deixando cerca de 2.000 mil colabores em todo o mundo a ver navios. “Muitos de nossos funcionários terão a oportunidade de continuar trabalhando com tecnologias para direção automatizada com a Ford ou a Volkswagen, mas, para outros, este trabalho chega ao fim”, disse o presidente-executivo (CEO) do desenvolvedor, Bryan Salesky.
O fato é que, nos últimos seis anos, o cenário mudou muito em relação ao de 2016. “Veículos autônomos rentáveis para os fabricantes, produzidos em grande escala, estão distantes da realidade”, reconheceu o atual CEO da Ford, Jim Farley. Ou seja, os investidores que apostaram suas fichas na Argo AI ainda não obtiveram o que tanto prospectavam.
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“Começamos a ter problemas para atrair mais investidores e nossos cronogramas atrasaram. Demoraremos outros cinco anos ou mais para que esta tecnologia seja, efetivamente, embarcada. Enquanto isso, a Ford decidiu se concentrar na assistência ao motorista que pode implantar e antecipar as receitas”, explica o diretor financeiro (CFO) da Ford, John Lawler, deixando para lá de claro que o negócio é dinheiro.
De acordo com estimativas da Bloomberg, já foram investidos mais de US$ 75 bilhões (o equivalente a quase R$ 380 bilhões) no desenvolvimento de veículos autônomos, mas todos os automóveis vendidos, globalmente, ainda precisam de volante, pedais e um motorista atento às condições de rodagem. “Fora isso, o resto é uma farsa”, detona o presidente da Comma.ai, que fornece o sistema semiautônomo de código aberto OpenPilot, George Hotz.
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“A Tesla se tornou uma das empresas mais valiosas do mundo, com base em promessas grandiosas e, não, por causa de sua realidade financeira. A partir daí, outras montadoras sentiram o cheiro do sucesso em Wall Street, colocando os próprios veículos autônomos em segundo plano e partindo para uma abordagem focada na valorização de suas ações para atrair os investidores. É uma farsa, repito”, frisa Hotz.
Tesla sob investigação
A Volkswagen, após a morte da Argo AI, disse que planeja concentrar seus esforços em relação à condução autônoma com outros dois parceiros: a alemã Bosch e a chinesa Horizon Robotics. “Temos protótipos autônomos de nossa ID. Buzz (mundialmente conhecida como “nova Kombi”) já em fase de testes”, garantiu o CEO da VW, Oliver Blume, no mesmo comunicado em que comentou o encerramento da Argo AI.
“Os veículos autônomos são um componente central dos nossos planos para o futuro e, hoje, focamos especificamente as áreas de Mobilidade e Transporte como Serviço (MaaS/TaaS), enquanto nosso parceiro Cariad desenvolve funções de condução parcialmente autônoma de Nível 4”, acrescentou o executivo.
Blume, ainda prometeu implementar já em 2023, o sistema de autonomia de Nível 3, aqui, o veículo é capaz de assumir a tarefa de condução por completo em uma rodovia.
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A verdade é que, apesar da Tesla ter investido pesado em campanhas publicitárias nos últimos seis anos para divulgar um produto chamado full self-driving (auto condução completa em tradução direta), a segurança do seu sistema é um dos fatores que mais preocupa a indústria.
No final de outubro, o Departamento de Justiça norte-americano (DOJ) confirmou que tem em andamento uma ação criminal contra a montadora de Elon Musk, desde o ano passado, que investiga mais de uma dúzia de acidentes, alguns com vítimas fatais. Nada menos que 830 mil modelos da marca estão sob a lupa do DOJ.
A Cruise, por exemplo, que é a subsidiária de veículos autônomos da General Motors, oferece serviços limitadíssimos de entrega e passeios sem motorista, na cidade de São Francisco (Califórnia), que será ampliado para Austin (Texas) e Phoenix (Arizona). Porém, é preciso considerar que é um verdadeiro feito, tendo em vista que este setor ainda se apoia nas promessas, mas não há geração de receita e a coisa se limita ao plano da excentricidade.
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“Veio para ficar”
“Para os críticos dos veículos autônomos, muito dinheiro já foi gasto, mas não existem veículos autônomos rodando nas ruas e estradas. Bom, essa afirmação não é correta e se observarmos seu desenvolvimento, veremos coisas muito positivas, pontua o CEO da Alliance for Automotive Innovation, grupo que faz lobby no Congresso norte-americano para fabricantes de automóveis de passeio e comerciais leves, John Bozzella.
“Por mais discreta que seja a inserção dos veículos autônomos, nos Estados Unidos, existem 50 empresas operando modelos 100% autônomos, em cerca de 90 cidades do país”, aponta Bozzella.
O CEO também informou que há, ainda, 150 programas distintos de tecnologia autônoma que estão operando em Michigan, Washington, Arizona, Texas, Flórida e Pensilvânia, entre outros estados.
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Parece, mesmo, que a sanha corporativa por investimentos levou as montadoras a superestimarem sua capacidade tecnológica. “Vimos, nos últimos anos, que grandes companhias assumiram muitos compromissos e, no final, a complexidade dos veículos autônomos foi subestimada ou, talvez, que algumas marcas tenham superestimado suas próprias capacidades”, avalia o presidente da Volvo Autonomous Solutions, Nils Jaeger.
A Volvo recebeu, na última semana de outubro, 500 milhões de euros (o equivalente a R$ 2,5 bilhões) em empréstimos do Banco Europeu de Investimentos (BEI) em apoio a pesquisas, desenvolvimento e inovação em tecnologias de veículos elétricos (EVs) e tecnologias de condução autônoma.
A complexidade do trânsito urbano é o grande desafio dos veículos autônomos. “A formação de bancos de dados e talentos proporciona, sim, um progresso tecnológico e planos de negócios mais assertivos, mas estes planos ainda se concentram nos segmentos de transporte e máquinas, onde os desafios do tráfego, dos pedestres e outros riscos oferecidos pelo ambiente urbano assustam menos”, explica sócia Emily Shao, que responde pela análise deste setor na McKinsey & Co.
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Mas o sonho permanece vivo e a startup Kodiak Robotics, que levantou US$ 30 milhões em capital privado no mês passado, depois de seus caminhões autônomos transportarem carga por 8.000 milhas (o equivalente a quase 13 mil km), do Texas à Flórida.
“Estamos transportando móveis para a IKEA – multinacional sueca que projeta e vende móveis prontos para montar, utensílios de cozinha e acessórios domésticos. Durante nossas viagens, o piloto de testes que fica ao volante do caminhão tem atuado em apenas 6% do tempo de condução. Em 94% do tempo, é o robô que dirige”, disse o CEO e fundador da empresa, Don Burnette.
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Perguntado se a Kodiak estaria pronta para abandonar, definitivamente, o condutor humano, ele deu a resposta de sempre: “Sei que parece que sempre respondo da mesma forma, mas estamos próximos disso. Faltam, apenas, alguns anos”.
O jeito é seguir esperando...
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.
Imagens: GM / Tesla
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