Preço médio dos carros no Brasil é de R$ 147 mil e a culpa é dos SUVs

Fabricantes aumentam ofertas de produtos de maior valor e participação dos SUVs nas vendas do País sobe de 8% para 37% em uma década

PK
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07.05.2024 às 23:49 • Atualizado em 12.11.2024
Fabricantes aumentam ofertas de produtos de maior valor e participação dos SUVs nas vendas do País sobe de 8% para 37% em uma década

É tão impressionante quanto fora de qualquer curva de tendência a subida no mercado brasileiro dos chamados veículos utilitários esportivos, os SUVs, na sigla em inglês – ou coisas que se pareçam com eles.

Segundo dados de emplacamentos de veículos consolidados pela Fenabrave, que representa as revendas autorizadas, há duas décadas, em 2003, eles representavam somente 3% das vendas totais de automóveis e comerciais leves; dez anos depois, em 2013 – ano de recorde histórico com 3,6 milhões de modelos leves vendidos – o porcentual aumentou para ainda comportados 8%, acelerou significativamente para 29,4% em 2019 e escalou de vez na pandemia, em 2020, quando a categoria superou os hatches e passou a ser a mais vendida do País.

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Apenas quatro anos depois os SUVs deram mais um salto largo, dominando 37% das vendas acumuladas nos primeiros quatro meses de 2024, somando 255 mil unidades em um mercado total de 691,4 mil.

À primeira vista pode parecer que o gosto dos brasileiros mudou radicalmente e hoje todos só pensam em ter um SUV na garagem. Mas a preferência dos consumidores não responde por crescimento tão expressivo. O gosto que conta mais é o dos fabricantes pelo lucro.

País ficou caro antes de ficar rico

Nesta escalada, mais do que um modelo que encara melhor os buracos do caminho e da posição de dirigir elevada que agrada muitos consumidores, existe também a estratégia das empresas de voltar todos os esforços para lançar e vender produtos de maior rentabilidade. Por este motivo o mercado foi inundado com SUVs – incluindo modelos que nem poderiam ser chamados por esta classificação.

Ao mesmo tempo foram substancialmente diminuídas as ofertas de carros de entrada, em equação desbalanceada que distorce o mercado, pois coloca os preços em patamares muito acima da renda média dos brasileiros, o que obviamente reduz o tamanho potencial do mercado.

Para se ter ideia, somando todos os modelos de carros disponíveis hoje no Brasil, o preço médio de tabela é de R$ 147,5 mil, segundo levantamento da Jato. Este valor transforma o País em um mercado que ficou caro bem antes de ficar rico.

O que puxa os valores para níveis tão altos é, principalmente, o número elevado de SUVs à venda, já que os hatches ofertados atualmente, em número bem menor de opções, variam de R$ 71 mil a R$ 93 mil, considerando os dez veículos mais baratos do mercado, que juntos têm tíquete médio de R$ 82,4 mil – ou incríveis R$ 65,1 mil abaixo da média geral do mercado.

Distorção construída

Esta distorção a favor dos SUVs vem sendo construída ao longo dos últimos dez anos, com tentativas e erros que mostraram aos fabricantes que, no País, há gente abastada em número suficiente para sustentar um mercado que não é grande, mas pode ser lucrativo no volume atual de 2,3 milhões a 2,5 milhões de carros vendidos por ano.

Voltando vinte anos no tempo o Brasil não tinha nenhum SUV na lista dos dez carros mais vendidos, que contava com sete hatches compactos, dois sedãs pequenos e um médio. O utilitário esportivo mais comprado à época foi uma invenção da Ford para mercados de baixa renda, o EcoSport, um produto mais parecido com um carro do que os SUVs grandalhões derivados de picapes, como Toyota SW4 ou Chevrolet Blazer, que deram origem ao segmento ainda nos anos 1990 – quando profeticamente foram apelidados, nos Estados Unidos, de Stupid Useless Vehicles.

Até o lançamento do EcoSport no Brasil as únicas alternativas aos SUVs grandes derivados de picapes eram as versões aventureiras de hatches e peruas, com suspensão elevada e estilo off-road, a começar pela pioneira perua Fiat Weekend Adventure, hoje totalmente substituídos por SUVs compactos ou os chamados crossovers.

Uma década depois o sucesso do EcoSport animou alguns mais a seguir o mesmo caminho, com importações de SUVs menores e o início da onda de lançamentos de produtos nacionais, iniciada pelo Renault Duster lançado aqui em 2010. Ainda assim, somente a partir de 2016, com o Honda HR-V, um SUV passou a habitar a lista dos dez veículos mais vendidos do País, e mesmo assim na décima posição.

No fim da década passada, em 2019, os fabricantes instalados no Brasil já produziam – ou montavam com partes importadas – nada menos que vinte modelos de SUVs, sendo que boa parte deles mais se parecem com hatches levantados, como o Nissan Kicks ou Peugeot 2008, que poucas marcas reconhecem, mais corretamente, como sendo crossovers – maneira estilizada de classificar veículos que misturam alguns estilos.

Apesar da multiplicação de opções no fim de 2019 somente um SUV, o Jeep Renegade, estava na tabela dos dez mais vendidos, mas continuava na décima posição. Já nos anos seguintes esta lista passou a ter de dois – caso deste ano – a até quatro SUVs.

Impulso na pandemia

O ápice da inundação de SUVs no Brasil aconteceu durante e logo após a pandemia. Primeiro os fabricantes precisavam preservar o caixa e assim privilegiaram a produção e a venda de produtos mais caros, justamente os SUVs, que pela primeira vez subiram ao topo do mercado como segmento mais vendido.

Nos dois anos que se seguiram à pandemia, em 2021 e 2022, a falta de chips eletrônicos no mercado global paralisou linhas de produção e ajudou a impulsionar ainda mais os SUVs. Foi uma escolha fácil para os fabricantes: na falta de componentes suficientes para todos os modelos os que chegavam foram direcionados para os carros mais caros e rentáveis – de novo, os SUVs.

Como numa corrida ao ouro, os lançamentos foram acelerados e atualmente já passa de 23 o número de modelos considerados SUVs produzidos ou montados no Brasil – incluindo sete daqueles crossovers como os mais recentes Volkswagen Nivus, Fiat Pulse e Renault Kardian. E ainda há dois quase-nacionais que vêm da Argentina: o médio Volkswagen Taos e o de grande porte Toyota SW4 – este, ao lado do Chevrolet Trailblazer, é um dos dois únicos derivados de picapes remanescentes no mercado. Além disso há outro tanto de opções importadas, muitos elétricos e híbridos.

SUVs seguem dominando

Mesmo após o restabelecimento do fornecimento de chips, em 2023 e 2024, os SUVs seguem dominando a maior porção das vendas de veículos no País, até por falta de número maior opções.

Os hatches compactos – em tese os mais baratos disponíveis – hoje ocupam metade da lista dos dez veículos mais vendidos, que também tem dois SUVs. Mas enquanto as vendas dos hatches compactos em abril cresceram 39,8% na comparação com o mesmo mês de 2023 e a participação no total de emplacamentos alcançou 28%, os SUVs avançaram um pouco mais, 40,7%, e mantiveram proporção de 36,4% do mercado em abril.

Não por acaso os fabricantes só pensam em lançar SUVs ou coisas parecidas, abarrotando as concessionárias com eles e fazendo com que siga em curso o fenômeno de vender volumes menores por mais dinheiro. E deverá seguir assim até os abastados consumidores da Terra Brasilis enjoarem de pagar muito por veículos que não oferecem muito mais.

* Pedro Kutney é jornalista especializado em economia, finanças e indústria automotiva. É autor da coluna Observatório Automotivo, especializada na cobertura do setor automotivo, e editor da revista AutoData. Ao longo de mais de 35 anos de profissão, foi editor do portal Automotive Business, editor da revista Automotive News Brasil e da Agência AutoData. Foi editor assistente de finanças no jornal Valor Econômico, repórter e redator das revistas Automóvel & Requinte, Quatro Rodas e Náutica.

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