Carros a combustão chegam ao fim em 2035. Pelo menos os da Chevrolet

GM investe R$ 180 bilhões em modelos elétricos só no atual quinquênio; para a DXC Technology, em breve o software será mais importante que a marca do carro

HG
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22.02.2023 às 12:00 • Atualizado em 29.05.2024
GM investe R$ 180 bilhões em modelos elétricos só no atual quinquênio; para a DXC Technology, em breve o software será mais importante que a marca do carro

A paixão – incluindo a paixão por carros – cega, mas chega o momento em que até mesmo o marido traído da commedia dell'arte italiana, aquele que é sempre o último a saber do chifre que ostenta, consegue enxergar a verdade. 

E a verdade é que, independentemente da preferência do brasileiro, a virada da eletromobilidade vai, em curto, médio e longos prazos, extinguir os automóveis com motor a combustão, da mesma forma que ocorre com os veículos de tração animal – as charretes e carruagens que foram proibidas nas metrópoles. 

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“A partir de 2035, a General Motors encerrará a venda de automóveis com motor a combustão, globalmente”, sentenciou a diretora de marketing (CMO) da GM, Christianne Rego, na última semana. Vale lembrar que essa fabricante detém, entre outras marcas, a Chevrolet, uma das mais populares no Brasil.

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Só no quinquênio atual, a GM está investindo US$ 35 bilhões (o equivalente a mais de R$ 180 bilhões) neste nicho. E pretende pular direto dos modelos movidos com o velho motor a combustão de quatro tempos para os 100% elétricos (EVs), sem investir nos híbridos.

“A solução definitiva está nos EVs, até porque os híbridos não resolvem o problema das emissões e são, apenas, um atalho de que não precisamos, porque já temos a tecnologia – nominalmente, a plataforma Ultium, que já inaugurou sua segunda linha de montagem, em Wuhan – para eletrificação completa”, acrescentou a executiva.

Portanto, e para o brasileiro purista, o recado está dado: não haverá, na gama Chevrolet, inclusive no Brasil, nenhuma opção para além de carros elétricos, independentemente de categoria ou preços, daqui a 11 anos. 

Na China, a associação local dos fabricantes (CPCA) estima que as vendas de veículos elétricos aumentarão 30% em 2023, para 8,4 milhões de unidades, enquanto a demanda por modelos convencionais equipados com motor a combustão cairá 10%. 

Ou seja, em breve, os consumidores presos ao passado terão o mesmo problema que, hoje, enfrenta o sujeito que sai de casa para comprar um televisor preto-e-branco com tubo de imagem (CRT) e descobre que, há mais de duas décadas, o cinescópio foi aposentado. 

E pior para quem já acha os modelos elétricos caros: “Os populares também não estão na agenda da GM, para o futuro”, avisa Christianne.

Cinco anos antes da GM, a Volvo terá sua gama 100% eletrificada. “Há montadoras caminhando nas pontas dos pés quando falamos de eletromobilidade, ao mesmo tempo em que insistem nos motores a combustão. Isso é uma má ideia, pois elas correm risco de perder mercado no futuro”, avalia o novo CEO (presidente-executivo) da marca sueca, Jim Rowan. 

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“Temos um cronograma de eletrificação agressivo e, no ano passado, saltamos de um percentual de vendas de EVs de 4%, registrado em 2021, para 11%”, enumera. 

O fabricante está investindo 10 bilhões de coroas suecas (o equivalente a R$ 5 bilhões), na construção de uma nova fábrica de veículos elétricos em Torslanda, e outros 30 bilhões de coroas suecas (R$ 14,9 bilhões) na parceria com o fabricante de baterias Northvolt.

A gigante chinesa BYD se antecipou ainda mais e encerrou a produção de automóveis com motor a combustão em março de 2022. Maior produtor e vendedor de EVs do mundo, atualmente, com um volume de quase 2 milhões de unidades ao ano, a marca parece ter feito a aposta certa, já que viu suas comercializações crescerem 59% só no início de 2023. 

Para os “sinofóbicos”, vale citar que os japoneses seguem na mesma toada: a Honda anunciou, nesta semana, que vai fundir seus braços de planejamento de produção e engenharia automotiva, criando a Honda Engineering China, com sede em Guangzhou, para “consolidar o desenvolvimento em eletrificação”. 

Os nipônicos, que vêm perdendo espaço, estão de olho no lucro líquido estratosférico – cinco vezes superior ao de 2021 – que a BYD estima para o fechamento do balanço do ano passado. Apenas para o leitor ter uma ideia, as duas maiores montadoras chinesas estão comprando seus próprios navios para garantir as exportações.

“A estatal SAIC Motor, que já opera a quinta maior frota de transporte marítimo do mundo – por meio de sua subsidiária Anji Logistics – tem uma licitação para sete novas embarcações com capacidade para 8.900 veículos, cada”, conta o diretor da Clarksons Research Servicos, unidade da maior corretora de navios do mundo, Xing Yue.

“Já a BYD, para evitar problemas em sua cadeia de suprimentos, encomendou seis navios, em outubro de 2022, para transportar 7.700 unidades. Cada uma custou US$ 710 milhões [o equivalente a R$ 3,7 bilhões]”, segue.

“Os custos de exportação, especialmente os de envio, dispararam e as tarifas subiram até US$ 100 mil (R$ 520 mil), por dia. Mas só com as vendas externas de automóveis convencionais e EVs, as marcas chinesas faturaram US$ 7,1 bilhões (o equivalente a R$ 37 bilhões)”, contabiliza Yue.

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Virada cultural

Não é preciso ser matemático para entender que, com cifras desta magnitude, a virada da eletromobilidade já se opera, inclusive culturalmente. 

Enquanto terraplanistas brasileiros se preparam para morrer abraçados aos motores a combustão interna, a DXC Technology, empresa americana líder em serviços tecnológicos, prevê cinco cenários evolutivos por meio dos quais a indústria automotiva reformulará a relação entre homem e máquina até 2030 – por conseguinte, em menos de sete anos. 

“A mudança dos modelos atuais para veículos definidos por software (SDVs) está transformando a indústria automotiva, desde o projeto de novos modelos e versões, passando pela engenharia de produção, até como são usados e mantidos por seus usuários”, pontua o diretor de robótica da companhia, Matthias Bauhammer. 

“Assim como nos PCs, ultrabooks e smartphones, o software usado por um veículo será tão importante quanto a marca, já que este programa controlará todas suas funções”, continua. O executivo aponta para uma nova realidade, em que os SDVs – que nada mais são do que os automóveis do futuro – serão avaliados pelos donos e usuários pela experiência interativa.

“É esta usabilidade, a forma como o fabricante vai se conectar com o cliente, trocando dados e orientando serviços personalizados, que vai conectar homem e máquina”, prenuncia Bauhammer. 

“Os EVs do futuro vão se renovar, por meio da atualização do software e novos aplicativos, que serão contratados pelos proprietários – óbvio, já que a venda de um código binário é muito mais simples e rápida, além de infinitamente mais lucrativa para as marcas. Há quem fale em autorreparação, mas é certo que será um automóvel totalmente conectado”, conclui

O terceiro aspecto apontado pela DXC Technology diz respeito à ‘Geração Z’, para quem a propriedade de um veículo automotor é um conceito do passado – a mobilidade do futuro aponta para pagar por um veículo apenas quando necessário, por assinatura, compartilhamento ou “peer-to-peer”. 

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A Internet das Coisas (IoT) também permitirá diagnose e agendamento de serviço em tempo real, antes de o usuário perceber os intervalos de manutenção e, quinto, o uso do hidrogênio como alternativa aos combustíveis fósseis – dos quais o hidrogênio herdará a conveniência e praticidade, em função do reabastecimento rápido e da rede.

Para os negacionistas, o CEO do ERM Group, maior consultoria global de sustentabilidade, Tom Reichert, dá um aviso: “A substituição do combustível fóssil por novas energias é uma questão superada, incontestável, já que a União Europeia tem uma meta de zerar a emissões de carbono até 2050”.

A maior prova de que este é um movimento sem volta está na capitalização das principais empresas do setor. Hoje, Tesla (valor de mercado de US$ 612,6 bilhões) e BYD (valor de US$ 113,3 bilhões), ambas marcas focadas em veículos elétricos, são mais valiosas do que os grupos Toyota, Mercedes-Benz, Volkswagen, BMW, General Motors, Ford, Stellantis, Ferrari, Honda e Hyundai juntos. 

“A descarbonização ocorrerá, doravante, de forma cada vez mais rápida, e a fase de negação acabou”, decreta Reichert. Já a CATL, titã chinesa e maior fornecedora de baterias automotivas do mundo, tem um valor de mercado (US$ 163 bilhões) 3,2 vezes superior ao da Ferrari, 11 vezes maior que o da Volvo e quase 13 vezes maior que o da Renault.

Fato é que, apesar da exatidão da Matemática, o negacionismo se tornou a maior expressão da paixão nacional por automóveis. 

Na Ásia, Europa e Estados Unidos, novas leis e um pacote de mais de US$ 770 bilhões (o equivalente a estratosféricos R$ 4 trilhões) aceleram a virada de eletromobilidade, mas tanto esta cifra quanto os mais de 20 anos de desenvolvimento tecnológico que envolvem a maior cadeia produtiva do planeta são desconstruídos com frases obtusas. 

A recente falência da Jeep na China é outra prova do avanço da eletromobilidade como fator imprescindível à competitividade. “As montadoras ocidentais terão que rever sua lógica”, avalia o sócio da consultoria de gestão Oliver Wyman, Marco Santino. 

“As marcas chinesas adotaram a eletrificação, enquanto a Stellantis [dona da Jeep] viu a capacidade ociosa de sua fábrica [na China] saltar de 57% para 87%”, descreve. “Os chineses não querem mais um Jeep”.

Quem diria que no berço do comunismo, e em pleno século 21, modelos como Renegade e Compass, que arrastam cordões no Brasil, têm o mesmo apelo comercial de uma TV preto-e-branco para os chineses.

Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.

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