O engenheiro que ajudou o Fiat Uno a nascer e se aposenta junto com ele

Conheça a trajetória de Robson Cotta, que em 40 anos de Fiat ajudou a desenvolver do Uno ao Pulse, passando por máquinas de Alfa Romeo e Ferrari

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06.12.2021 às 17:47 • Atualizado em 29.05.2024
Conheça a trajetória de Robson Cotta, que em 40 anos de Fiat ajudou a desenvolver do Uno ao Pulse, passando por máquinas de Alfa Romeo e Ferrari

30 de novembro de 2021. Após 39 anos, três meses e 17 dias, o engenheiro Robson Cotta recebia na fábrica de Betim (MG) uma homenagem pelo encerramento de seu ciclo de quase quatro décadas na Fiat. De lá para cá, viu a fabricante se associar à Chrysler (FCA) e, mais recentemente, à Peugeot-Citroën, tornando-se Stellantis.

“Todas as palavras de homenagem a você são merecidas. Você é um profissional incrível e todos aprendemos com sua experiência e dedicação. Só temos a agradecer por ter você na nossa equipe, pelo seu profissionalismo e do seu jeito tão especial”, diz a placa preparada pela empresa para presenteá-lo.

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Robson Cotta com a placa de homenagem, ao centro, posando junto do time de desenvolvimento da Stellantis em Betim (MG)

Cotta encerrou sua jornada como gerente de experimentação e responsável por todas as instalações de produção e desenvolvimento da fabricante na América Latina, função que ocupou pelos últimos dois anos. Antes, atuou diretamente no desenvolvimento de produtos, ajudando a criar dezenas de novos modelos hoje tão comuns em nossas ruas.

Alguns, de fato, são bem populares no Brasil, como as duas gerações do Uno, toda a família Palio construída sobre a plataforma 178 e, mais recentemente, os produtos Jeep que utilizam a matriz Small Wide (Renegade, Compass e Commander). Sua atuação, porém, extrapolou fronteiras e alcançou produtos internacionais de marcas como Alfa Romeo e Ferrari.

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Muitos km de experimentalismo

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Cotta exibe esquete do 147

Quando ingressou na Fiat, a 13 de agosto de 1982, Cotta pegou a última fase de evolução da família 147, envolvendo o Spazio (última reestilização do pequeno hatch), o furgão e a picape Fiorino (derivadas da 147 Pick-Up), o sedan Oggi (incluindo a versão esportiva CSS) e as últimas alterações mecânicas dos modelos.

No entanto, o primeiro projeto que o então jovem de 25 anos viu nascer “do zero” foi o Uno, logo o carro mais icônico e vendido pela Fiat em sua história no mercado brasileiro. “Vi e testei os primeiros dois protótipos da história do Uno, que a gente chamava de Uno Itália, porque vieram de lá”, conta Robson em entrevista exclusiva à Mobiauto.

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Cotta com protótipos do Fiat Uno entre 83 e 84: "botinha" foi o primeiro carro que ele ajudou a desenvolver do "zero"

Quando entrou, Cotta era um dos cinco membros do time de engenheiros que faziam os testes de durabilidade dos carros da Fiat. À época, o trabalho era muito mais experimental e empírico do que hoje. Nada de simuladores, CFD ou testes em pistas privadas que simula diferentes tipos de terreno: tudo era feito em vias públicas, a partir de situações reais de uso.

“Chegávamos a rodar quase 1.300 km por dia e a fechar ciclos de 15.000 km de rodagem em poucas semanas”, comenta. “Era muito legal, porque a gente rodava por muitas estradas e regiões. Nossa base ficava em Itatiba, perto de Campinas, e fazíamos muito os trechos da [rodovia] Rio-Santos, Mogi-Bertioga...”, segue.

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Cotta, à direita, junto de dois colegas em um teste comparativo que a Fiat fez com um protótipo do Prêmio, o sedan do Uno, junto com VW Voyage e Ford Escort 

O objetivo dos testes era adaptar veículos como o Uno e motores que vinham diretamente da Itália à realidade brasileira, a famosa “tropicalização”. Um dos principais trabalhos de Robson, por exemplo, foi adaptar motores da Fiat nos anos 80 ao uso do etanol. “O grande segredo para ele funcionar bem com álcool estava na regulagem da carburação”, revela.

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Em sua primeira década de casa, Cotta ajudou a adaptar os motores da Fiat para uso de etanol

Uma vida ligada à graxa

Robson Cotta nasceu em Juiz de Fora (MG) e desde criança ganhou intimidade com veículos e mecânica. Seu pai trabalhava com transportes e chegou a ter uma frota com 17 veículos em casa, de comerciais leves a gasolina até caminhões a diesel e utilitários que, já naquela época, podiam ser movidos a álcool. Tudo isso seria muito útil para sua vida profissional.

“Eu ajudava muito meu pai nas manutenções e assim fui aprendendo”, diz. Não poderia ter dado outra: estudou Engenharia Mecânica na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e quase que instintivamente se voltou à área automotiva. Trabalhou por alguns anos em uma retífica de motores e se tornou professor na área.

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Cotta dá uma última voltinha no 147 do acervo da Fiat antes da merecida aposentadoria

Foi um aluno seu da universidade, que trabalhava na Fiat, quem o indicou para uma vaga na área de engenharia da montadora. “Ele viu que eu gostava muito de carros e comentou que tinham aberto uma vaga. Me candidatei e fui entrevistado pelo chefe de engenharia da época”, rememora. 

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Cotta posa ao lado de um grupo motores analisados pelo time de desenvolvimento em 2004

“Ele me perguntou se um motor a diesel tinha vela. Eu respondi que sim, porque todos os caminhões velhos do meu pai tinham velas incandescentes. Ele arregalou os olhos e falou: ‘É a primeira vez que alguém responde corretamente essa pergunta. A vaga é sua’. E foi assim que entrei”, resume Robson, com o sotaque típico mineiro e dando um tom quase de naturalidade a esse episódio que ditou o rumo de sua vida.

[Nota do editor: motores a diesel não possuem velas de ignição, porque sua temperatura de combustão é mais baixa que a da gasolina e do etanol, o que significa que o combustível explode no calor da própria compressão exercida dentro dos cilindros. Entretanto, possuem velas de incandescência que servem para aquecer a câmara e ajudar na partida do motor, assim como no funcionamento dos pistões.]

Dentro da Fiat, Cotta passou a aplicar a experiência prévia com o pai e a retífica de modo potencializado. “Era um trabalho muito prático mesmo, de experimento e resultado. Era pegar diferentes tipos de óleo e usá-los no motor, ou fazer diferentes tipos de regulagem do carburador, até ver o que estourava primeiro e o que durava mais”, explica.

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Profissional e departamento em crescimento

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Lançamento do Palio e do irmão Siena marcaram a subida de Cotta a uma nova função na Fiat

Quando Robson Cotta começou na Fiat, a equipe de engenharia experimental era pequena e dependia quase totalmente da matriz na Itália. Eram os italianos que enviavam os carros de teste e motores, visto que não havia uma divisão de protótipos ou motores instalada no país.

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Cotta (à direita) posando ao lado de um protótipo da Fiat Strada. E, ao que parece, os engenheiros não tiveram dó de testá-la na terra

A realidade começou a mudar no fim dos anos 80. Com o sucesso do Uno, a chegada do Uno Mille – outro projeto do qual o engenheiro participou ativamente – e o surgimento da família Palio, a Fiat passou a dispor de uma área de powertrain e de uma equipe de desenvolvimento mais robusta no país.

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O número de engenheiros passou à casa das dezenas e Cotta acompanhou o crescimento: em 96, virou chefe de todo o departamento de testes da fabricante. Com o crescimento da área e uma maior autonomia, participou da criação de modelos internacionais do grupo Fiat, como o Alfa Romeo 166 e a Ferrari 360 Modena.

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Cotta (à esquerda) posa contente à frente de um protótipo da Ferrari 360 Modena 

Quatro anos mais tarde, tornou-se gestor de projetos, passando a administrar não apenas os testes práticos, mas todas as fases de desenvolvimento de um produto, desde sua concepção até a produção.

“Eu tinha que definir o quanto custaria cada etapa, quais componentes usar e qual era o melhor caminho, se valia mais a pena nacionalizar algum componente ou trazê-lo importado, coisas do tipo. Era um trabalho bem mais complexo e burocrático”, conta.

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Fiat Stilo não fez tanto sucesso, mas é um dos grandes orgulhos da carreira de Robson Cotta

Dessa época, Cotta lembra com carinho do Stilo, hatch médio de projeto italiano que ajudou a trazer ao Brasil, incluindo a envenenada versão esportiva Abarth. “Convencer a matriz a vender essa versão Abarth no Brasil não foi fácil. Contei muito com a ajuda do nosso diretor de marketing na época. Ele que montou os argumentos”, afirma.

O Stilo Abarth tinha uma configuração única no Brasil: quatro portas, câmbio manual, motor 2.4 cinco-cilindros 20V do Marea e até um ousado teto solar dublê com cinco lâminas de vidro. Porém, a má fama do sedan quanto à manutenção e o preço salgado fizeram o modelo vender menos de 1.000 unidades em seis anos de existência no mercado.

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De volta às origens

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Segundo à esquerda, Cotta posa ao lado de uma unidade pré-série da nova Fiat Strada

Em 2010, Robson voltou a chefiar toda a área de desenvolvimento da Fiat, mas agora em uma outra realidade: mais de 120 funcionários, número que chegaria a 430 posteriormente, e um departamento enriquecido com laboratórios, como uma câmara de resfriamento e, mais recentemente, um centro de testes de segurança, e muita autonomia na produção de protótipos. 

Tudo isso tornou o Brasil um dos centros de desenvolvimento da recém-formada Fiat Chrysler em âmbito global. “Na época, fizemos testes internacionais com modelos como Alfa Romeo 4C, a família Fiat Tipo vendida hoje na Europa e modelos de Chrysler, Dodge e Jeep americanos”, relembra com entusiasmo. 

“Também desenvolvemos veículos para terceiros, como caminhões da Iveco, e até fizemos o aprimoramento acústico do [VBTP-MR] Guarani, aquele blindado do Exército”, completa.

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Cotta também é apreciador de corridas e ajudou a desenvolver os carros do extinto Troféu Linea

Cotta também foi o responsável por desenvolver os carros de corrida do hoje extinto Trofeo Linea, e até ajudou a criar e manter um acervo histórico da Fiat em Betim, que hoje conta com modelos como 147, Oggi CSS, Tempra 16V, Tipo, Uno Turbo e o último Mille produzido no mundo (série Grazie Mille).

Mais recentemente, participou da criação dos Jeep Renegade, Compass e Commander nacionais, tendo ainda regado um resquício da fase “Stellantis”, incluindo os primeiros SUVs brasileiros da Fiat (Pulse e Fastback, este último ainda a ser lançado) e produtos de Peugeot e Citroën que estão sendo adaptados com mecânica Fiat.

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Produtos da Jeep viraram os novos xodós de Cotta nos últimos anos

Nos últimos anos, passou a responder por todas as instalações da Stellantis na América do Sul. Por isso mesmo, participou ativamente da construção da fábrica de Goiana (PE), de onde saem hoje os três Jeep nacionais mais a Fiat Toro.

“Visitei aquele terreno pela primeira vez de helicóptero, porque não tinha nem como chegar. Ver tudo hoje pronto e funcionando, incluindo um campo de provas para os nossos testes, é muito legal”, orgulha-se.

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Legado de carros e histórias

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Marcio Tonani, atual diretor de desenvolvimento e produto da Fiat no Brasil, dá a placa de homenagem a Robson Cotta

Quis o destino que a aposentadoria de Robson Cotta viesse quase junto com a do Uno, o primeiro modelo que ele ajudou, de fato, a nascer no Brasil. Enquanto a despedida do engenheiro já foi oficializada, a do hatch compacto deve ocorrer no fim deste ano, com uma série de despedida chamada Ciao, antecipada em primeira mão pela Mobiauto.

Na pergunta sobre qual, entre todos os projetos, ele mais gostou de ter participado, a resposta vem em cima do muro, mas com bons argumentos. “É muito difícil dizer. Foram tantas coisas. Participar de projetos como as famílias Uno e Palio, com Strada, Weekend e Siena, traz um orgulho diferente de testar uma Ferrari. Foram todas experiências maravilhosas e me sinto privilegiado por todas”, justifica, em tom de sinceridade.

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Mesmo carros que não deram certo, como o Marea, são motivo de orgulho para Cotta

O mais admirável é que Cotta não demonstra ter como xodó apenas os carros que foram sucesso de vendas, mas também aqueles que não deram tão certo (ou deram muito errado). “Não dá para esquecer de criações como Uno turbo, Tempra turbo, Stilo, Marea, que era um carro muito sofisticado para a época, e mais recentemente os Jeep”, completa.

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Cotta posa com o 147, o primeiro Fiat nacional, e o Commander, um dos mais recentes lançamentos da atual Stellantis no país

Para Robson, porém, o que mais fica são as amizades e histórias. “Lembro quando testamos o Alfa 4C no Brasil. Estávamos indo a Paraty com o protótipo e fomos parados pela Polícia Federal na ida. O policial disse: ‘Só parei pra ver o carro mesmo’. Na volta, fomos parados de novo pelo mesmo policial: ‘É que agora eu queria mostrar pra minha chefe’”, relembra, aos risos.

“Lembro também do quanto a gente zoava os italianos que vinham para cá e sofriam com o monte de picada de muriçoca que tomavam em Bertioga”, diverte-se, antes de filosofar: “O resultado do trabalho está aí nas ruas, são os carros, que são palpáveis, mas esses momentos também ficam na memória”.

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Agora aposentado, Robson Cotta vai se dedicar a cuidar de seus próprios carros

E o que Robson Cotta fará na aposentadoria? Cuidar de carros, claro! “Vou começar a mexer nos brinquedinhos que eu tenho aqui”, diz. Na sua frota estão um Alfa Spyder 1972, um Fiat 147 1.050 de 1978, uma Alfa 2300, um FNM JK 1961 e até uma Fiat 1100 Pick-Up 1949, entre outros clássicos.

Ou seja: enquanto o Uno descansará em paz, o engenheiro que o ajudou a nascer e virar a lenda que virou no Brasil seguirá ativo como sempre, fazendo o de sempre: engenhando seus veículos com maestria e carinho.

Imagens: Divulgação e Acervo pessoal

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