Os 10 carros mais importantes produzidos pela Ford no Brasil
Em mais de 100 anos como fabricante no país, marca americana construiu modelos que fizeram história. Agora, toda a tradição virará poeira
Ao tomar a drástica decisão de encerrar toda sua produção de veículos no Brasil, a Ford pegou todos de surpresa e mostrou que o pessimismo internacional acerca de nosso mercado pode ser pior que nós imaginávamos.
A decisão da fabricante americana fez escorrer pelo ralo um ciclo de 101 anos - o mais longo em toda a história desta jovem república federativa chamada Brasil - de fabricação local de veículos em nosso território (sem trocadilhos com o novo SUV da marca).
Foi ela que, em 1º de maio de 1919, instaurou a primeira fábrica de veículos automotores com produção em série no território nacional.
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Suas primeiras instalações ficavam na Praça da República, centro de São Paulo. Depois, foram para o Bom Retiro, bairro logo ao lado, sempre produzindo em sistema CKD (as peças chegavam prontas, importadas, e só a montagem ocorria localmente) o lendário modelo T.
No fim dos anos 20, ao mesmo tempo em que substituía o velho T pelo modelo A, a Ford iniciava uma ousada empreitada em plena selva amazônica: a Fordlândia, uma cidade que seria erguida no meio do Pará voltada à extração de borracha, em torno de uma produção de quase 2 milhões de seringueiras. Uma série de imprevistos levou o projeto a ser abortado em 1933, criando uma cidade abandonada.
Em 1950, migrou para o Ipiranga, na zona leste da capital, em um terreno muito maior e mais moderno, que permitia a montagem de 125 veículos ao dia. A operação, até então, contava com 2,5 mil funcionários. Ali, produziu o caminhão F-600 e a picape F-100.
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Também foi nessa fábrica que a companhia inaugurou, 17 anos mais tarde, a linha de produção do Galaxie 500, seu primeiro carro de passeio nacional. Naquele período, a companhia já realizava localmente a fundição de seus motores V8 num galpão em Osasco (SP).
Em 1967, a Ford assumiu o complexo de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, que seria descontinuado em 2019. Ele já pertencia à Willys-Overland, adquirida pela empresa americana naquele mesmo ano. Seu foco ficou na produção de carros de passeio, enquanto a planta do Ipiranga seguia montando caminhões.
Uma primavera mais tarde, inaugurou também em São Bernardo um Centro de Pesquisas. Àquela altura, a capacidade produtiva já havia crescido para 250 unidades/dia. Em 74, foi a vez da fábrica de motores de Taubaté e, em 78, do Campo de Provas de Tatuí, ambos no interior de SP.
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Do fim dos anos 80 até meados da década seguinte, a Ford ficou marcada pela Autolatina, joint venture com a Volkswagen. Depois dela, a empresa voltou a investir em projetos próprios em São Bernardo do Campo, como o do compacto Fiesta e do subcompacto Ka.
Em 2001, inaugurou um novo complexo fabril em Camaçari (BA), atraída pelos generosos incentivos fiscais conseguidos pelo então senador Antônio Carlos Magalhães. Para lá, transferiu a manufatura do Fiesta e iniciou a do EcoSport em 2003. E passou do Ipiranga para São Bernardo toda a linha de caminhões, fechando a unidade da capital paulista.
Nos últimos dois anos, toda a tradição resumida acima foi transformada em pó pela própria Ford, que decidiu abdicar de ser uma fabricante instalada no Brasil para se tornar uma mera importadora de veículos. Mas a história fica e, baseada nela, elegemos os 10 carros mais importantes produzidos pela Ford em solo brasileiro.
A lista seguirá uma ordem cronológica, não tendo caráter de ranking. Ela não levará em conta projetos desenvolvidos com outras marcas, como Troller, Rural e os modelos da Autolatina. Não mencionamos algum modelo que você queria na lista? É só citá-lo nos comentários.
1) Model T (“Bigode”)
Para baluartes mais aprofundados da história da indústria automotiva brasileira, este membro da lista dispensa apresentações. Símbolo do “Fordismo” e primeiro carro produzido em larga escala no mundo, também foi o primeiro veículo montado nacionalmente em série. Só por isso, já merece lugar cativo na lista.
Trazido para cá em 1904, ainda importado, o T ganhou o apelido “Bigode” por conta de duas alavancas presentes na coluna de direção, funcionando uma delas como acelerador. E era montado aqui com o mesmo processo de linha, em larga escala, tal qual nos Estados Unidos.
Foi sucedido em 1928 pelo Model A e este, em 32, pelo Model B, que também ficou conhecido em nosso mercado como Ford V8 (em menção ao motorzão oito-cilindros em V que trazia sob o cofre).
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2) F-100 e F-1000
Com produção iniciada em 1957 no Ipiranga, um ano depois do caminhão F-600, outro veículo importante para a marca no Brasil, a F-100 inaugurou o segmento de picapes de grande porte em nosso mercado.
Derivava da F-100 americana lançada em 53, porém com atualizações visuais que a irmã gringa ostentava desde 56. Ao longo dos anos, foi atualizada com mudanças nas suspensões, adoção de freios dianteiros a disco, versões com caçamba mais larga ou sem caçamba (para aplicação de implemento) e novidades visuais.
Foi só em 71, porém, que ela ganhou uma carroceria totalmente nova, mais baixa e moderna, e que marcaria de vez a história do modelo. O motor V8 a gasolina de 168 cv e 34,3 kgfm era um de seus grandes trunfos, por entregar potência em abundância. Mas vinha de projeto antigo e era beberrão.
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A crise do petróleo do fim dos anos 70 demandava veículos menos gastões e, para isso, a Ford lançou uma versão quatro-cilindros de apenas 99 cv e 16,9 kgfm, cujo propulsor da família Georgia vinha do Maverick.
Em 79 surgiu a irmã F-1000, que aproveitava a carroceria da F-100, mas utilizava uma usina quatro-cilindros MWM a diesel de 83 cv e 25,3 kgfm, com 1 tonelada de capacidade de carga. A F-100 seguiu em linha até 85, após bons anos de serviço prestados contra a concorrência de Chevrolet e Dodge, e tendo ganhado até uma opção a álcool.
Depois, foi substituída pela F-1000 A, munida de um motor seis-cilindros 3.6 a álcool, de origem argentina, com 112 cv e 26,5 kgfm. A F-1000 receberia outras atualizações visuais e de motorização, incluindo uma versão Turbo (119 cv) em 91 e uma nova troca de carroceria em 92. A tração 4x4 chegou em 93.
Isso sem contar as customizações feitas por preparadoras e concessionários, aproveitando a nova febre de consumidores urbanos que queriam uma picape cabine dupla ou com caçamba fechada na garagem. A produção da F-1000 seguiu até 1998, quando ela deu lugar à F-250.
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3) Galaxie
Primeiro automóvel de passeio feito pela Ford no país. A ideia de um carro de passeio nacional da Ford existia desde o governo de Juscelino Kubitschek, em 56, mas foi apenas em 67, já durante a ditadura militar, que a marca conseguiu lançar o Galaxie 500.
Enquanto nosso mercado de veículos leves estava acostumado a beber da fonte europeia, com modelos mais compactos e funcionais, o Galaxie tinha origem americana e se notabilizava pelo enorme porte (5,33 m de comprimento e 2 m de largura).
Com índice de nacionalização de componentes acima de 97%, o Galaxie 500 usava um motorzão V8 4.6 de 164 cv e pesava quase 1,8 tonelada. Ainda assim, usava freios a tambor nas quatro rodas (os discos só viriam em 72).
Tinha ares de carro de luxo e chegou a contar com mimos como câmbio automático (acoplado a um V8 ainda mais forte, de 4,8 litros e 190 cv) e ar-condicionado ainda no fim dos anos 60. Ao longo dos anos, perdeu o sufixo 500 e ganhou versões mais simples para ter preços competitivos frente a Chevrolet Opala e Dodge Dart.
A versão luxuosa LTD viraria LTD Landau no início dos anos 70. Depois, passaria ser conhecida apenas como Landau, sendo separada e ficando ainda mais cara que a LTD. O modelo foi mantido em linha até 1983, sendo substituído pelo Del Rey.
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4) Maverick
Este não está na lista por ter sido um sucesso em sua época. Pelo contrário. Esta informação pode surpreender muita gente, mas o fato é que o Maverick foi um dos maiores fracassos da Ford no Brasil.
Criado para preencher a lacuna entre o Corcel e o Galaxie, brigando com o Opala, o Maverick não foi o modelo indicado como o preferido por consumidores brasileiros em clínicas a respeito. Boa parte deles preferiu o sedan alemão Taunus.
Só que este seria mais caro de desenvolver e produzir, o que levou a matriz a nos empurrar o cupê americano de baixo custo Maverick de um jeito ou de outro. O espaço interno era pífio e, para piorar, o motor seis-cilindros 3.0 herdado do Willys era obsoleto, pesado e beberrão, fazendo-o ir de 0 a 100 km/h em quase 21 segundos.
Nem o lançamento da configuração sedan com quatro portas, alongada, nem a adoção do propulsor quatro-cilindros 2.3 também usado pela F-100 fizeram as vendas decolarem. Tanto que o modelo ficou em linha apenas de 1973 a 79, um curto período de seis anos.
Por que o Maverick é tão cultuado hoje, então? Por causa da versão GT, equipada com o V8 302 “small block” de 4,9 litros importado dos EUA. Com 197 cv e 39,5 kgfm, fazia o cupê chegar a 100 km/h em menos de 11 segundos e o tornava um cupê de respeito. E foi isso o que fez o Maverick apagar o fiasco e se transformar um ícone da história da Ford no Brasil.
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5) Corcel (e derivados)
Junto do EcoSport, talvez tenha sido a grande “menina-dos-olhos” da marca no Brasil, um carro certo lançado na hora certa e que deixou uma família recheada de modelos importantes ao longo de três décadas. É derivado do projeto “M”, que vinha sendo desenvolvido pela Willys em parceria com a Renault antes de aquela ser adquirida pela Ford.
Ganhou as ruas em 68 e logo chamou a atenção pelo aspecto muito mais moderno para os padrões da época que o do rival VW TL. Em sua primeira geração, foi vendido nas carrocerias cupês de duas portas e sedan de quatro portas, além de gerar a perua Belina.
Trazia sob o cofre o econômico motor 1.3 de 68 cv. Na configuração esportiva GT, o propulsor recebia carburador de corpo duplo e novos coletores de admissão e escape, subindo para 80 cv. Em 73, o propulsor passou a ser 1.4 (78 ou 85 cv, no GT) e o visual ficou semelhante ao do Maverick.
Em 77, a Ford lançou o que chamou de segunda geração do Corcel, ou “Corcel II”. A plataforma e a distância entre eixos eram exatamente as mesmas, mas a carroceria inteiramente nova dava a ele ares mais modernos e aspecto de carro maior. O motor passava a ser o 1.6 CHT.
Foi do Corcel II que nasceu o Del Rey, sedan de quatro portas com pegada luxuosa para substituir o Landau, a cultuada picape Pampa e a perua Belina II (que em 1983 passou a se chamar Del Rey Scala, usando a dianteira e equipamentos do sedan. Quatro anos depois, voltou a ser Belina, apesar de ainda estar associada ao Del Rey).
O Corcel, em si, morreu em 86, mas Del Rey e Scala/Belina sobreviveram até 91 e a Pampa, até 97, o que significa que a plataforma foi mantida ativa por quase 30 anos. Na fase final de vida, Del Rey e Belina chegaram a usar o motor 1.8 AP da VW.
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6) Escort
Primeiro projeto de cunho global da Ford a ser produzido no Brasil, o notchback Escort é um dos modelos mais bem sucedidos da marca no país. Ele já estava em sua terceira geração na Europa quando aportou em nosso país, com produção no ABC, em 1983.
Tinha como missão substituir o Corcel II, mas o uso de motores antigos, 1.4 e 1.6 da família CHT, todos com menos de 80 cv, não condiziam com o caráter vigoroso de sua carroceria, especialmente na versão esportivada XR3.
Apesar disso, o Escort teve boa aderência de mercado e chegou até a ganhar uma configuração conversível. No fim dos anos 80, no esteio da Autolatina, também foi equipado com o 1.8 AP da VW, chegando a 90 cv na versão Ghia e a 99 cv (declarados oficialmente) na XR3.
A segunda geração nacional veio em 1992 e a terceira – conhecida pelo sugestivo apelido “sapão” –, em 96, mas nesse ano a produção já havia sido transferida para a Argentina, a fim de abrir espaço nas linhas de São Bernardo do Campo para o próximo modelo da lista.
Chegou a ter uma configuração perua e outra sedan de quatro portas, sendo que esta última, na verdade, era o veterano Verona rebatizado.
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7) Fiesta
Outro modelo que já existia na Europa e só aportou no Brasil quando já estava na terceira geração global. O Fiesta estreou aqui em 1995, importado da Espanha, mas na virada para a quarta geração, um ano depois, passou a ser produzido em São Bernardo.
Sua frente com faróis caídos lhe rendeu o jocoso apelido “Fiesta triste”, algo corrigido com o facelift que o modelo recebeu em 99. Ainda assim, logo se tornou um concorrente importante contra VW Gol, Fiat Palio e Chevrolet Corsa no segmento de hatches compactos. Gerou, ainda, a picapinha Courier, que não fez tanto sucesso contra Fiat Strada e VW Saveiro.
Sua geração mais forte em vendas, porém, foi a quinta, produzida de 2003 a 2014 no Brasil, em Camaçari. Esta formou uma família com hatch e sedan e foi reestilizada duas vezes em nosso mercado, em 2007 e 2010. Utilizava motores 1.0 e 1.6 Zetec Rocam, que passaram a ser flex no meio do caminho. No fim de sua vida, apenas o hatch 1.0 sobreviveu.
Já a sexta geração, intitulada “New Fiesta” em princípio, veio importada do México de 2010 a 13 nas carrocerias hatch e sedan. Em 2013, já com uma reestilização visual, a produção do hatchback foi nacionalizada em São Bernardo do Campo. O sedan, apesar de também ter sido renovado, seguiu importado do México.
Porém, a chegada de Ka e Ka+ canibalizaram as vendas da família Fiesta. O compacto era visto como um modelo de pegada mais esportiva e premium, mas que oferecia muito pouco espaço interno.
Além disso, o câmbio automatizado de dupla embreagem Powershift, tido no começo de sua vida como grande trunfo e inovação do New Fiesta, logo se mostraria um fiasco, devido aos inúmeros problemas de confiabilidade. E a versão 1.0 EcoBoost, movida por um tricilindro turbo movido apenas a gasolina, não pegou.
Assim, o Fiesta não acompanhou a troca para a sétima geração do modelo na Europa e recebeu um novo facelift no fim de 2017, mas já estava desgastado no mercado e acabou descontinuado em 2019, junto do anúncio de que a Ford fecharia a fábrica de São Bernardo do Campo.
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8) Ka
O subcompacto depois promovido a compacto era o mais vendido da Ford nos últimos anos no Brasil e já teve sua história contada neste artigo de Camila Torres.
9) F-250
A Ford sempre teve tradição no mercado de picapes. Este artigo está deixando isso muito claro. A F-250 chegou no fim dos anos 90 (mais precisamente 98) com a dura missão de substituir a consolidada F-1000 e brigar com a recém-apresentada Chevrolet Silverado.
Mesmo com um modelo restrito a condutores com CNH tipo C, devido a seu porte e seu peso bruto total acima de 3,5 toneladas, a receita saiu melhor que a encomenda, porque a F-250 foi muito bem recebida e trucidou a rival, que durou meros quatro anos no mercado.
Apenas a versão a gasolina fracassou, tendo sido descontinuada após um ano de existência. Já o motor Cummins 4BT 3.9 seis-cilindros turbodiesel de 145 cv e 47 kgfm foi trocado pelo 4.2 MWM já usado pela Silverado em meados de 99, o que parecia uma mudança arriscada.
Porém, com auxílio de Intercooler, ele chegava a excelentes 180 cv e 51 kgfm na F-250, contra 168 cv e 43,3 kgfm da rival da Chevrolet.
Em 2003, o modelo ganhou uma muito aguardada configuração cabine dupla. Em 2006, veio a reestilização visual com uma curiosidade: a Ford trocou de novo o motor MWM pelo Cummins de 3,9 litros. A diferença é que este vinha agora com injeção eletrônica, 203 cv, 56 kgfm e tração 4x4 (antes, era apenas traseira).
A produção foi encerrada em 2011, quando a F-250 já estava envelhecida e não era mais interessante contra um mercado com picapes médias cada vez maiores e mais valentes.
10) EcoSport
O modelo que reescreveu os caminhos do mercado de SUVs no Brasil já teve sua história contada neste artigo de Renan Bandeira.
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