“Elon Musk chinês” quer criar grife de carros elétricos maior que a Tesla
Por Homero Gottardello
Poucos se deram conta de que, enquanto o Brasil se consolida como uma espécie de vala comum da indústria automotiva global, como destino preferencial para a desova de modelos equipados com motores a combustão interna, a China se consolida como maior mercado de veículos elétricos do mundo.
O mais recente relatório da Bloomberg NEF, que é o braço de pesquisas estratégicas do grupo, prevê um volume comercial de 2 milhões de unidades elétricas para o mercado chinês até o fechamento deste ano, número que irá a inimagináveis 6,2 milhões de unidades em 2025.
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Mesmo com a pandemia, 2020 já é considerado como um marco – o “ponto sem retorno” – para os fabricantes, o ano a partir do qual a eletrificação das gamas deixa de ser uma tendência para se tornar um requisito, uma condição sine qua non mesmo para as gigantes permanecerem vivas na disputa.
“Para as novas montadoras, entrar neste segmento e sobreviver já é uma tarefa muito difícil”, disse o presidente-executivo da BMW chinesa, Jochen Goller, ao jornal norte-americano “Auto News”.
Goller revela que viu muitas montadoras desaparecerem nos últimos anos, mas chama atenção para a performance da chinesa NIO: “Estou impressionado com o que eles conseguiram”.
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Que empresa é a NIO
Hoje, a NIO é considerada a única marca capaz de rivalizar com a Tesla em um futuro próximo, e não só no que tange à projeção de vendas, mas principalmente em relação ao desenvolvimento de tecnologia.
A empresa, com sede em Xangai, é um dos nomes por trás da Fórmula E, categoria de monopostos elétricos que atualmente é a segunda na ordem de grandeza da FIA (Federação Internacional de Automobilismo), atrás apenas da F1.
Seus três modelos, os SUVs ES6, EC6 e ES8, estão entre os 20 elétricos mais vendidos do mercado chinês, que é liderado pelo HongGuang Mini EV, da Wuling – um microcarro que parece o ForTwo, da Smart, e custa o equivalente a R$ 30 mil. A Mobiauto já contou a história dele neste outro artigo.
O Tesla Model 3 vem logo atrás do Mini EV, com 9% de participação na classe, um pouco menos da metade da fatia do carrinho da Wuling.
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No primeiro quadrimestre, as vendas da NIO responderam por 5% dos mais de 666 mil modelos elétricos vendidos atrás da Grande Muralha. Parece pouco para uma marca que tem pretensões tão grandes, mas ela está no caminho certo.
“A economia de escala é um fator preponderante para os fabricantes de automóveis e a NIO ainda não atingiu um volume de produção nem de 100 mil unidades anuais”, pondera o analista Robert Cowell, da 86Research, também sediada em Xangai.
“Hoje, a montadora está em uma situação muito melhor do que a de 18 meses atrás, e isso sem ter atingido sequer sua dimensão de eficiência”.
“Elon Musk chinês”
Para William Li, criador da NIO e uma espécie de “Elon Musk chinês”, ainda é cedo para se falar em uma disputa entre sua marca e a Tesla. “O jogo só vai começar, de verdade, quando os titãs da tecnologia entrarem em campo”, disse o executivo, durante a comemoração pela marca da 100.000ª unidade produzida pela NIO.
“Tenho uma grande expectativa em relação à entrada da Apple no mercado automotivo. Sua capacidade de desenvolvimento, suas plataformas de inteligência artificial e conectividade farão desta disputa uma competição muito diferente da que vimos até agora, entre as montadoras tradicionais”, pontuou.
Li faz planos a médio e longo prazos. “Em 2030, entre 90% e 95% dos lançamentos, em nível mundial, serão elétricos”, prevê.
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A verdade é que para a “torcida organizada” da NIO, este futuro já chegou. Prova disso é a aclamação que Li experimenta todas as vezes que sai em público. Mesmo usando roupas simples (seu traje usual combina camisa social, paletó cinza e calça jeans), ele chama atenção e não consegue chegar a um bufê sem posar para dezenas de selfies.
Atende, pacientemente, cada cliente, até porque a NIO criou um verdadeiro estilo de vida naquela que é a mais ocidental das megalópoles do país.
Mais que uma marca, uma grife
A marca tem sua própria grife de roupas, sua linha de produtos alimentícios, equipamentos de ginástica, clubes noturnos e, obviamente, um serviço de recarga de baterias, além de um hino – isso mesmo, um hino cujo refrão é “com a NIO, queremos ser melhores”.
Tudo isso criou um público mais que fiel e que só pode ser classificado pela lealdade, cunhando o primeiro adversário para a Tesla em um nicho bastante exclusivo.
É que enquanto várias corporações fazem contas para a produção de modelos EVs, focando o mercado de massas, a NIO quer tomar a maior fatia do público ‘premium’ que, até este momento, reza a cartilha de Musk.
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Para alcançar seu objetivo, Li terá a ajuda imensurável do governo chinês, que já manifestou sua intenção de tornar o país no líder mundial de uma nova era automotiva e, para isso, iniciou aportes milionários nos últimos seis meses.
O NeoPark, centro de produção e desenvolvimento de tecnologia que recebe aporte equivalente a 6,4 bilhões de euros, impulsiona um resultado que já pode ser visto: a frota chinesa de elétricos praticamente triplicou de 1,2 milhão de unidades em 2019 para 3,4 milhões no final do ano passado.
Desbravando o Velho Continente
E a China também mira a Europa. “França, Alemanha, Itália, Espanha e Reino Unido respondem por 63% das vendas de modelos elétricos na Europa e, só no ano passado, a participação dos EVs entre os zero-quilômetro nesses mercados saltou de 1,6% para 6%. São números que indicam, claramente, para onde o continente está indo”, avalia Jose Asumendi, da European Autos Research.
“Para 2021, temos um calendário de lançamentos recheado e a adoção de novas políticas governamentais, que vão auxiliar as montadoras a cumprirem as novas metas de emissão de gás carbônico. E é a procura por versões elétricas, não outro fator, o que determina a implantação de incentivos fiscais”, lembra Asumendi.
Na Alemanha, os subsídios são de até 6.000 euros por unidade comercializada, enquanto na França chegam a 7.000 euros. Ou seja, não vai faltar mercado para a NIO atingir seus objetivos comerciais.
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E se no Velho Continente a marca chinesa conseguir operar o que vem fazendo na China, também veremos uma mudança na percepção do consumidor em relação à marca.
É que, por lá, a NIO vendeu 20 mil unidades (somados seus três modelos) entre janeiro e fevereiro deste ano, a um preço médio de US$ 68 mil cada, enquanto a Tesla comercializou 17 mil unidades de Model Y a US$ 53 mil.
Estamos, portanto, diante de um tíquete médio quase 30% maior, algo impensável tanto para os europeus, quanto para os norte-americanos e brasileiros.
Fato é que a eletrificação dos automóveis é uma realidade transformadora, que vai mexer muito com o establishment do setor e mudar a relação centenária entre homem e máquina. E quem duvida que os chineses estão prontíssimos para esta transição, talvez até mais bem preparados que japoneses, europeus e americanos, terá que rever seus conceitos.
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