Dipirona no combustível: os perigos da prática para diminuir consumo

A Receita tem sido divulgada nas redes sociais como forma de melhorar o consumo de carros e motocicletas, mas pode virar prejuízo
Vinicius Moreira
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07.12.2023 às 11:00 • Atualizado em 12.11.2024
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A Receita tem sido divulgada nas redes sociais como forma de melhorar o consumo de carros e motocicletas, mas pode virar prejuízo

Vídeos estão circulando pelas redes sociais com motoristas e motociclistas misturando Dipirona - sim, o analgésico - no tanque de combustível, como forma de diminuir o consumo. A combinação é feita em quase todas as indicações por meio de um frasco do remédio para cada 10 litros de gasolina, com a promessa de melhorar o consumo. Não há uma quantia exata: a prática funciona mais na base da receita caseira.

A combinação de métodos milagrosos e a velocidade de compartilhamento de “dicas” como esta podem ser a fórmula perfeita para desinformação. Isso sem contar as consequências que a aplicação do medicamento sem o cuidado e o conhecimento necessário podem causar ao motor do carro ou moto.

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Para que serve a Dipirona?

Mais conhecida pelo efeito analgésico, para aliviar dores e febre, a Dipirona é um anti-inflamatório. Também possui indicação para agir em dores musculares e cólicas. Como a compra do medicamento é feita sem a necessidade de receita médica no Brasil, o consumidor tem facilidade de encontrar o fármaco em qualquer farmácia.

Ela pode ser adquirida em comprimidos ou em gotas. É este último o que costuma ser usado para misturar na gasolina. Comercialmente, a Dipirona também conhecida por nomes como Novalgina, Anador e Magnopyrol, por exemplo. Nos Estados Unidos e Europa, o medicamento é proibido há um bom tempo.

O que a mistura pode causar?

Para obter uma explicação, a Mobiauto ouviu o professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UF-MG), José Guilherme Baeta sobre o assunto. O doutor em Engenharia Mecânica pela universidade mineira afirmou: “Não existe nenhum embasamento físico ou químico para essa tese [uso do Dipirona no tanque de combustível para melhorar o consumo]”.

Consultando a formulação do fármaco, vendido sem receita médica no Brasil, o engenheiro e parceiro do Instituto SAE4Mobility - Instituto de Ciência, Tecnologia e Inovação - completou: “Ainda que tivesse algum efeito na combustão, não faria diferença no consumo”.

Baeta destacou ainda que a prática, sem nenhum controle ou método, pode causar efeitos corrosivos para o sistema de alimentação e motor do veículo. Outro ponto é que a junção da Dipirona com o combustível, apesar de não existir nenhum estudo sobre isso, pode resultar em substâncias tóxicas expelidas na atmosfera, prejudiciais à saúde humana.

Tampouco há evidências se o medicamento é solúvel em contato com a gasolina. O processo de combustão pode tanto queimar por completo a Dipirona como deixar resquícios, o que não é nada bom para o motor. Baeta reconmendou que não seja feita qualquer medição de combustível sem o método adequado.

O que diz a ANP?

A ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) é o órgão federal regulador das atividades que integram as indústrias de petróleo e gás natural e de biocombustíveis no Brasil. Nesse sentido, questionamos o uso do medicamento como forma de obter alguma economia do consumo de combustível.

"A ANP não apenas não recomenda como também desaconselha a prática divulgada, sob pena de comprometimento da qualidade do combustível e consequente dano ao veículo que o utilizar", afirmou o órgão em nota oficial.

A entidade reguladora explicou ainda que a mistura representa um risco alto para a qualidade do combustível, pois a composição do medicamento e do combustível são distintas.

"Não há nenhum embasamento técnico-científico que permita inferir que o medicamento em questão tenha algum potencial para atuar como melhorador de consumo do combustível", completa.

Vale ressaltar que, por ser um órgão regulador, qualquer combustível para ser comercializado em território nacional necessita da certificação da ANP, inclusive a mistura de qualquer componente após o processo de liberação do combustível.

"A adição de qualquer componente ao produto, após a sua certificação, não é recomendada pela ANP. Mesmo a adição de aditivos do tipo detergente dispersante somente deve ser realizada quando recomendada pelo fabricante do veículo e seguindo suas orientações", finaliza.

Custo remédio x preço da gasolina

Além da falta de comprovação científica quanto à suposta eficácia da Dipirona enquanto economizadora de combustível, o consumidor deve analisar a relação entre o custo do medicamento e o preço da gasolina. Como já citamos, nas receitas divulgadas nas redes sociais, não existe uma padronização para a mistura. Com isso, a depender da quantidade de Dipirona misturada com o combustível, é possível o custo do medicamento sair mais caro que a economia pretendida.

Álcool com medicamento podem ser perigosos para direção

Uma vez que o uso de Dipirona pode não ser o melhor aliado no consumo de combustível, a ingestão do medicamento combinado com o álcool representa riscos durante a condução de veículos. De acordo com estudo divulgado pelo Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP), ao menos 5 mil medicamentos ingeridos com álcool podem provocar efeitos nocivos para os motoristas.

Isso acontece porque o uso de analgésicos como Dipirona e Paretamol, por exemplo, comprados sem a necessidade de receita, podem ter seu efeito anulado, diminuído ou até potencializado em combinação com o álcool. É o caso da Dipirona, a qual aumenta o poder do efeito gerado pelo consumo do álcool.

Naftalina também já foi usada no motor

Mais conhecida pelo uso nos móveis para espantar baratas, traças e outras pragas, a Naftalina é um subproduto do petróleo, da mesma forma que a gasolina. Nos anos 60 e 70 ela ficou famosa por outro emprego: misturada na gasolina para ganho de potência, velocidade e economia.

As bolinhas brancas eram dissolvidas em contato com a gasolina. Dessa forma, esperava-se uma octanagem maior da gasolina e, com isso, os ganhos citados acima. Vale lembrar que os motores dessa época tinham sua combustão feitas pelo carburador em vez da injeção eletrônica.

Houve quem defendeu a prática, do mesmo jeito que outros criticavam o uso por conta dos efeitos causados nos componentes e necessidade de limpeza do conjunto com mais frequência.

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