Entenda por que os carros hoje são tão parecidos entre si
Zeca Chaves, Colunista da Mobiauto
A última coluna mostrou como as novas tecnologias estão prestes a mudar o design dos carros como nunca vimos nos últimos 100 anos. Alguns leitores, no entanto, não concordaram: como isso é possível se os automóveis que vemos nas ruas estão cada vez mais parecidos entre si?
Eles estão certos – assim como o artigo também. Afinal, a indústria automotiva estar às vésperas de uma grande revolução estética não anula o fato de que a esmagadora maioria dos veículos que habitam nossas cidades ainda compartilham da mesmice visual que nos cansamos de ver.
Saiba que a culpa não é da falta de criatividade dos projetistas, pelo menos não da maneira que todos imaginam. Designers de automóveis são obrigados a trabalhar com tantas restrições que muitas vezes são mais executores de ordens do que livres criadores.
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Para ser mais preciso, há quatro razões que acabam direcionando o estilo de um novo carro para a vala comum da monotonia estética.
Pressão aerodinâmica
O Cadillac 1959 abusava das referências estéticas que remetiam aos foguetes
Certa vez o designer Ian Callum (ex-Jaguar) disse que se você medisse a traseira de todos os sedãs num estacionamento descobriria que a diferença entre eles não seria mais que 1 polegada (2,5 cm). “Os carros hoje são projetados em túnel de vento, por isso não variam muito”, explicou.
A partir dos anos 1970, com a crise do petróleo, os fabricantes passaram a se preocupar em criar formas mais aerodinâmicas. Primeiro pressionados pelo desejo dos consumidores por veículos mais econômicos, depois pelas leis antipoluição cada vez mais rígidas.
Com isso, os para-brisas ficaram mais inclinados, os tetos mais baixos, os porta-malas mais altos e as carrocerias mais lisas, sem apêndices ou volumes que não fossem funcionais. A beleza começou a ficar em segundo plano.
Segurança em primeiro lugar
Não bastasse a ditadura do túnel de vento, há ainda as exigências técnicas de segurança, seja para se adequar à legislação vigente, seja para almejar as cinco estrelas nos testes de colisão, que servem como publicidade extra na hora da venda.
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A fim de suportar impactos laterais, as portas estão mais altas e mais espessas, para acomodar reforços internos. O risco de atropelamento elevou a altura dos capôs, enquanto a área dos vidros encolheu e as colunas ficaram mais largas, para resistir melhor aos capotamentos. A elegância dos Dodge Dart e Chevrolet Opala sem as colunas centrais dos anos 1970 seria impensável nos dias de hoje.
As portas ficaram maiores e janelas menores para suportar colisões laterais
Porém não acaba por aí. Os projetistas precisam desenhar uma carroceria que se enquadre nas regras de todos os países do mundo nos quais o modelo será vendido. Alguns mercados exigem faróis colocados em determinada altura, outros regulam a disposição das luzes na traseira.
Cada nova lei que surge em um mercado precisa ser incorporada ao desenvolvimento do próximo projeto. Com o tempo, essa padronização global tornou-se uma camisa de força para os designers.
O fantasma dos custos
Quando o fabricante inicia o desenvolvimento de um novo automóvel, seu orçamento já nasce comprometido porque, antes de agradar ao público que vai comprá-lo, ele deve se adequar ao país que vai vendê-lo.
Todas essas exigências legais de que falamos acima acrescentadas à necessidade de incorporar equipamentos que se tornaram uma obrigação mercadológica (ar-condicionado, câmbio automático, central multimídia etc.) deixam pouca margem para abusar nos custos.
Como consequência, fabricantes buscam desesperadamente compartilhar o máximo de componentes entre diferentes modelos da sua linha: plataforma, motores, painéis, peças de carroceria ou faróis.
Vale até dividir seu projeto com a concorrência, como fizeram com as picapes Mercedes Classe X, Renault Alaskan e Nissan Frontier. Tudo em prol da redução do custo de desenvolvimento. Portanto, não deveria ser surpresa vermos carros de marcas diferentes cada vez mais parecidos entre si.
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A primeira geração do Evoque criou um estilo que foi muito copiado
Como os novos projetos são bilionários e o risco de errar no design pode enterrar suas vendas por ao menos quatro anos (ciclo de desenvolvimento normal de um carro), as grandes empresas preferem não arriscar. Elas vão para a zona de conforto, com desenhos que podem não empolgar, porém não oferecem o perigo de desagradar muita gente. Ou seja, a mediocridade é premiada na maior parte do tempo.
É importante ressaltar que quem tem o poder de aprovação final do desenho de um novo automóvel é o chefe da companhia, não o designer. Lembre-se disso antes de culpar o estilista por um carro sem graça exposto na loja.
É óbvio que modelos de nicho, como esportivos e luxuosos, têm espaço (e orçamento) para ousar mais. Até porque sua margem de lucro é bem maior e seu público é menor e mais homogêneo – não há aqui a gigantesca diversidade de gostos e necessidades a que as marcas generalistas precisam atender.
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Tendência ao modismo
Até agora mostramos que os designers não têm culpa em boa parte do que é criado nas fábricas. Mas chegamos a um motivo no qual a responsabilidade é toda deles: estou falando do seu ímpeto de seguir tendências. E já é assim há muito tempo.
Nos anos 50, sob influência de Hollywood, os foguetes e aviões militares estavam na moda, e a indústria automotiva aproveitou-se disso. Talvez o expoente máximo dessa corrente estilística seja o Cadillac 1959: sua traseira (chamada rabo-de-peixe) exibe duas enormes asas, as lanternas remetem a mísseis e o para-choque simula duas turbinas do foguete.
Essa mania de seguir estilos de sucesso não mudou até hoje. Entre a década de 1970 e 1980, vieram carrocerias mais quadradas e ângulos mais retos. Nos anos 2010, a primeira geração do Land Rover Evoque deu origem a uma legião de seguidores, que copiaram seus faróis afilados, tetos rebaixados e colunas pintadas de preto. Até o mercado brasileiro criou seus modismos, quando os aventureiros urbanos dominaram a cena nos anos 2000 com seus quebra-matos e estepes pendurados na traseira.
Mercedes Classe C de 2015 e Classe E de 2017: cara de um, focinho do outro
Nem vou explicar aqui em detalhes a praga da “family face”, recurso de marketing para fazer todos os carros de uma empresa terem a mesma cara. Os executivos dizem que é para criar uma identidade visual única e fazer o grande público reconhecer melhor o fabricante. Mas algumas marcas abusaram tanto do artifício que criaram apenas clones em tamanhos diferentes.
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Some-se a tudo isso uma característica interessante dos designers: eles pertencem a um clube exclusivo e muito particular. Eles frequentam as mesmas escolas de arte, trocam informações entre si, visitam os mesmos salões de automóvel (ao menos antes da pandemia) e viajam o mundo atrás de novas referências visuais em áreas como moda, arquitetura e até produtos eletrônicos.
Se pensarmos bem, com tantas restrições de segurança, aerodinâmica, custos e tendências, é quase um milagre que algumas marcas ainda consigam lançar carros com um desenho de encher os olhos.
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto
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