Fim do Troller: 5 vezes em que o sonho do jipe nacional fracassou
Zeca Chaves, Colunista da Mobiauto
Quando a Troller anunciou o fim da produção do seu jipe T4 e a Ford se recusou a vender os direitos da marca para alguém, ficou um gosto amargo na boca de quem acompanha a indústria automotiva. Mais uma vez repete-se a história de uma montadora brasileira fechar as portas, enterrando o sonho de ter uma marca 100% nacional.
Apesar de não ter gostado da ação da Ford, eu entendo a lógica corporativa que está por trás da decisão. Se cedesse a propriedade do nome e do design do jipe, ela teria que se comprometer a continuar fornecendo o motor (é o mesmo da Ranger), condição exigida pelos compradores interessados.
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Como a picape sofrerá mudanças dentro de dois anos, essa obrigatoriedade seria uma camisa de força para futuros planos da montadora americana. Além disso, um novo Troller poderia se tornar um rival de peso se a Ford resolvesse importar a versão off-road do Bronco, que tem sido um enorme sucesso nos Estados Unidos.
Assim que o último Troller T4 deixar a fábrica de Horizonte (CE) no final de setembro, encerra-se mais um capítulo da novela dos automóveis concebidos no Brasil. Diversos pequenos fabricantes – a maioria artesanal – já tentaram manter essa novela no ar, mas quase todos sucumbiram a partir de 1990, quando o mercado interno foi aberto aos importados.
No entanto, se havia um tipo de veículo brasileiro que poderia continuar resistindo à concorrência do poder de fogo das montadoras locais ou da variedade de oferta das importadoras, esse seria o jipe.
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Pense bem: é um mercado muito restrito que não costuma interessar às marcas tradicionais e ainda tem a vantagem de ser um segmento que não exige constantes renovações técnicas.
Ao contrário, para o público jipeiro um antigo projeto de robustez já comprovada pelo tempo e a garantia do fornecimento de peças que não mudaram ao longo dos anos são mais atraentes do que uma nova tecnologia que pode quebrar no meio de uma trilha em um local deserto.
Porém, nem isso conseguiu salvar a Troller, que surgiu em 1997, ou os modelos semelhantes que vieram antes e depois dele. Sim, o Troller é apenas um entre vários jipes desenvolvidos no Brasil que tentaram manter vivo o orgulho de ter uma marca genuinamente nacional. Abaixo, selecionei os cinco modelos mais promissores e vamos entender por que não deram certo.
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Engesa: Herança militar
O projeto da Engesa era tão bom que sobrevive até hoje
Acostumada a produzir blindados de combate para o Exército Brasileiro, a empresa Engesa (Engenheiros Especializados S/A) acabou desenvolvendo um veículo menor e mais ágil. Daí surgiu o jipe militar Engesa EE-12, apresentado no Salão do Automóvel de 1984 – o número do nome vem da sua capacidade de carga (1/2 tonelada).
Com tração 4x4 similar à que a Engesa fornecia ao Exército e com motor 2.5 de Opala, o projeto era um primor técnico, especialmente a suspensão refinada, com macias molas helicoidais, típicas de automóvel. No off-road, era superior aos velhos rivais Toyota Bandeirante e Jeep Willys.
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Batizada de Engesa 4, a versão civil estreou em 1985 e ganhou até uma opção com motorização a diesel e um chassi mais longo. Mas a empresa teve diversos problemas de gestão, acabou se endividando e faliu em 1993.
O projeto do jipe, porém, era tão eficiente que o modelo passou a ser montado no fim dos anos 90 pela Envesa com sobras da fábrica original e hoje sobrevive reencarnado na forma do Agrale Marruá, que é produzido em Caxias do Sul (RS).
JPX Montez: Da França para Eike Batista
O JPX sofreu com problemas de superaquecimento
Antes de perder seu império de US$ 30 bilhões e acabar preso por corrupção, Eike Batista pensou em criar um jipe que desse conta do trabalho nas suas mineradoras ou campos de petróleo. De quebra, ainda lhe renderia um dinheirinho ao ser oferecido ao grande público e em licitações do governo – cerca de 450 deles foram comprados pelo Exército.
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Nascia assim o JPX Montez, um modelo cujo projeto Eike comprou da francesa Auverland para fabricar em Pouso Alegre (MG) em 1993. Chassi e parte da suspensão eram próprios, a carroceria de aço era fornecida pela mineira Brasinca, eixos e freios eram importados da Itália e o motor 1.9 diesel e o câmbio Peugeot vinham da França.
Como era mais barato e equipado que o defasado Bandeirante, tinha tudo para dar certo. O problema era seu motor, que insistia em ferver com frequência, o que queimou sua imagem no mercado e obrigou-o a sair de cena em 2002.
Dacunha Jeg: Base de Kombi
O ponto fraco do Jeg era a falta de tração nas 4 rodas
Se alguém fosse fazer um jipe nacional, nada mais fácil do que partir de uma base tão simples e popular quanto um chassi de Volkswagen com motor a ar.
Com mecânica de Kombi com um entre-eixos 40 cm menor, o Jeg foi produzido pela Dacunha, companhia de São Bernardo do Campo (SP) que começou como empresa cegonheira, transportando os carros 0 km da fábrica para as lojas.
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Apesar de lançado em 1977 já com uma versão militar, o modelo tinha um problema conceitual grave: tinha apenas tração nas rodas traseiras. Apesar de valente na lama e com um sistema de freio que podia travar só a roda traseira que girava em falso, ser um veículo 4x2 era impeditivo para quem aspirava vender para o Exército.
A solução viria em 1980, com uma versão 4x4 cujo desempenho foi tão elogiado que um modelo de teste foi para o Exército da Alemanha, já de olho no potencial de exportação.
Mas a Dacunha nunca conseguiu fechar negócio e o Jeg bateu retirada em 1981, depois de apenas pouco mais de 500 unidades fabricadas, em parte porque a empresa não tinha experiência com produção de veículos, em parte porque uma regra impedia que as Forças Armadas comprassem um jipe com motor traseiro.
CBT Javali: Alma de trator
Javali era um jipe espartano demais, mas nunca negou fogo na terra
O DNA de força e robustez do Javali estava no sangue: ele era fabricado desde 1990 pela CBT, Companhia Brasileira de Tratores. Isso explica a total falta de preocupação com a estética, a simplicidade absurda do acabamento e dos itens de série (não havia servo-freio) e o enorme nível de ruído (o escapamento ficava aos pés do motorista).
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Mas ele tinha o que interessava ao seu público: incrível capacidade em condições fora de estrada e muita força no motor de trator, com três cilindros e 2,9 litros.
Com uma boa reputação, especialmente para trabalho no campo, ele contava com um plano ousado de 700 unidades mensais montadas na fábrica de São Carlos (SP).
Mas aí veio a abertura do mercado aos importados, que implodiu seu método de produção, que trabalhava com poucos fornecedores e fabricava o máximo que pudesse – a CBT fundia e usinava os próprios motores. Saiu de linha em 1995.
TAC Stark: Mudança de donos
Stark começou catarinense, mas virou cearense
O conceito moderno do Stark prometia, mas enfrentou tantas dificuldades pelo caminho que nunca conseguiu ganhar velocidade para embalar de vez.
Com design jovem, chassi tubular, carroceria de fibra de vidro e suspensão independente, o modelo foi exibido no Salão do Automóvel de 2006, mas começou a ser produzido apenas em 2013. As primeiras unidades foram cedidas para jornalistas, mas logo apresentaram quebras graves durante testes de pista.
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O jipe começou a vida na TAC (Tecnologia Automotiva Catarinense) Motors, inicialmente sediada em Joinville (SC), que depois se mudou para Sobral, no interior do Ceará, a fim de aproveitar benefícios fiscais do Nordeste. Mas chegou tarde demais e nunca obteve as isenções tarifárias. Depois tentou se associar à chinesa Zotye, sem sucesso.
Em 2019, outra mudança: a produção agora está nas mãos da CAB Motors, de Pernambuco, que chegou a anunciar uma nova fábrica no Distrito Federal. Em junho passado, a empresa Favela Holding divulgou que pretende comercializar o jipe nacional em vários países da África.
Praticamente desconhecida, a marca hoje conta com uma revenda autorizada em Belo Horizonte (MG) e sobrevive fazendo carros sob encomenda.
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto
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