Volkswagen perdeu 73% de seu valor nos últimos 30 meses e isso é preocupante
A crise na Volkswagen se aprofunda a cada semana e, agora, a matriz alemã está disposta a cortar a própria carne para evitar a bancarrota. Obviamente, não se trata de cortar a remuneração dos acionistas, mas, na base do neoliberalismo – ou da boa e velha velhacagem, mesmo –, cortar 10% dos salários de seus colaboradores.
De acordo com o jornal alemão “Handelsblatt”, o corte garantiria uma economia de 800 milhões de euros (o equivalente a R$ 5,04 bilhões), um quinto dos 4 bilhões de euros que a companhia tem que economizar, obrigatoriamente, para se manter de pé.
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“O plano que apresentamos para a liderança trabalhista, que também inclui um sistema de bonificação revisado, é este, mas estamos abertos a qualquer discussão para atingirmos esta meta”, disse o diretor de recursos humanos e membro do conselho administrativo da empresa, Arne Meiswinkel.
“Estamos muito preocupados com a conjuntura da indústria automotiva europeia, mas esse tipo de operação é um pré-requisito para a manutenção dos empregos”, acrescentou o executivo, deixando claro que, se a categoria não aceitar a redução salarial, as demissões serão inevitáveis. Mas há notícia pior do que essa:
“Cortar empregos e custos trabalhistas não será suficiente para livrar a Volkswagen da bancarrota”, avalia o analista de mercado do banco de investimentos Société Génerale, Stephan Reitman.
“A VW gastou dinheiro de forma imprudente, o valor de suas ações segue caindo e os investidores estão receosos. Quando, inicialmente, a Volks tentou desenvolver seu próprio softwares para veículos elétricos, o programa se revelou desastroso e, agora, com os investimentos bilionários na Rivian e na Xpeng, tudo o que seus gestores conseguiram foi um curativo para a ferida financeira, aliás, um arremedo que trouxe novos custos e mais complexidade industrial”, destaca Reitman, lembrando que, só nos últimos 30 meses, a capitalização de mercado da gigante alemã caiu 73,3%, de 184,4 bilhões de euros para 49 bilhões de euros – na prática, significa que quem comprou R$ 100 mil em papéis da VW, em março de 2021, hoje tem em sua conta um saldo de pouco mais de R$ 26 mil.
Mas, afinal de contas, há risco de esta crise chegar ao Brasil? O brasileiro pode comprar, sem medo de depreciação um modelo da marca?
Respondendo a primeira questão, sim. “A desindustrialização não é uma questão futura. É uma questão do aqui e agora”, afirma o economista e ex-presidente do Instituto alemão Ifo de Pesquisa Econômica, Hans-Werner Sinn. “A queda da Volkswagen é parte de um problema muito maior e que aflige toda a indústria. A VW é, apenas e tão somente, uma vítima precoce da virada da eletromobilidade e dos altíssimos custos da energia”, acrescentou Sinn. Os lucros da companhia caíram 63%, no terceiro trimestre deste ano, enquanto as vendas encolheram 8,3%.
“A perspectiva para a Volks é sintomática de uma crise mais ampla”, alerta a economista Franziska Palmas, da Capital Economics, uma das maiores provedoras de insights para decisões de investimento. “Nos últimos 90 anos, a Volkswagen representou o sucesso da economia alemã e, agora, se torna um símbolo de grandes preocupações”, reconhece o economista-chefe do Commerzbank (espécie de “Bando do Comércio” alemão), Carsten Brzeski.
Do seu lado, o presidente-executivo (CEO) da VW, Oliver Blume, culpou “décadas de problemas estruturais” pelos resultados ruins, botando a crise na conta de seus antecessores.
Responder a segunda questão não é fácil porque o brasileiro enxerga um valor aspiracional no automóvel e, mesmo pagando os maiores preços do mundo por modelos inegavelmente ultrapassados, convencê-lo de que está sendo passado para trás é tarefa inglória.
Na Itália, por exemplo, o diretor editorial do “Motor1”, Alessandro Lago, reportou que uma amiga, empresária, declinou da compra de um zero-quilômetro da VW, na semana passada, por medo do que pode decorrer da crise. “As notícias de última hora já impactam na escolha das pessoas, até porque um automóvel novo é um bem razoavelmente caro. A Volks precisará reconquistar a confiança dos consumidores e este será um grande desafio, um desafio de comunicação”, comenta Lago.
A verdade é que o Brasil, como um mercado "jurássico", ainda é solo fértil para a Volkswagem. "Na China, onde a participação dos veículos elétricos ruma para os 50%, os EVs são determinantes, mas no Brasil são os modelos antigos que lideram as vendas. Mesmo que o mercado brasileiro seja uma gota de água no oceano e que suas receitas não compensem as perdas da Volkswagen, na Europa e na Ásia, carros pobres e ultrapassados ainda têm boa aceitação", avalia o diretor do Centro de Pesquisa Automotiva (CAR) de Bochum, Ferdinand Dudenhöffer.
"O problema é que a concorrência chinesa já ameaça a hegemonia das marcas tradicionais no próprio Brasil, onde a oferta de etanol é grande e a VW impinge seus motores a combustão interna", pondera Dudenhöffer.
Por aqui, a VW tenta convencer o consumidor que os híbridos são a solução ideal – e isso para um futuro, ainda por cima, porque o novo Tera não foi confirmado com motorização híbrida. Já nos Estados Unidos, onde o Tiguan só ganhará uma versão plug-in em 2028, os executivos da marca vêm se perguntando o que fazer, se essa tendência se dissipar nos EUA, até lá.
É que, daqui há quatro anos, é bem provável que o cenário tenha mudado de novo – para não dizer, se transformado completamente. “É o que chamamos de ‘velocidade de Wolfsburg’, uma marcha bem mais lenta do que a ‘velocidade da China’ que temos que acompanhar”, disse em tom crítico um executivo norte-americano ao portal alemão “Der Spiegel”, sob a óbvia condição de anonimato.
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.
Jornalista Automotivo