A crise invisível que já fechou 12 fábricas de carros elétricos na China
Por Homero Gottardello
Do lado de cá do mundo, não dá para ver, mas há uma crise na indústria automotiva chinesa. Enquanto marcas como a NIO e a Xpeng explodem em vendas, recebem aportes de bilhões de dólares em investimentos e alcançam a Testa em volume de vendas, existem outras marcas, como a Bordrin e a Byton, que estão fechadas.
É como se o mercado de carros elétricos (EVs) tivesse ido longe demais na China.
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Quando a Bordrin anunciou o SUV iV6 com Nível 3 de condução autônoma, 610 quilômetros de autonomia, recarga das baterias em apenas 1 hora e linhas nitidamente inspiradas no lendário Porsche Carrera GT, de 2003, muita gente desembolsou o equivalente a US$ 50 mil (cerca de R$ 260 mil) para garantir o seu na pré-venda.
Hoje, o mato cresce nas fábricas de Nanjing, de onde um dia deveriam sair 450 mil veículos anuais, quando a produção atingisse seu pico. Os enormes prédios da Byton são guardados por um único segurança patrimonial e, na Bordrin, há apenas uma placa, na entrada principal, avisando do fechamento.
É que, ao contrário do que a imaginação do Tiozão do WhatsApp faz parecer, a China não é uma economia provinciana, escondida atrás da Grande Muralha e fechada pela cortina do comunismo. Longe disso, ela é a economia mais pujante do mundo e o que abastece os milhões de projetos em curso é o capital privado – ao estado, cabe o papel regulador.
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Fábrica da Bordrin fechada em Nanjing
De modo que montadoras como a Byton e a Bordrin foram concebidas, gestadas e criadas pela combinação entre o sonho empreendedor e os incentivos das províncias – que, lá, correspondem aos nossos Estados.
“Hoje, a China tem muitos fabricantes de veículos elétricos e, diante da pulverização do setor, o governo vai incentivar sua consolidação em grupos”, disse o ministro da Indústria e Tecnologia do país, Xiao Yaqing.
Só nos últimos 12 meses, pelo menos uma dúzia de fabricantes chineses de elétricos tiveram que pedir concordata para se reestruturar e evitar a insolvência, ou simplesmente faliram.
“Você tem um zilhão de montadoras e, então, chega ao ponto em que há excesso de oferta. É um fenômeno clássico do capitalismo”, disse à Bloomberg o diretor-executivo da consultoria Blueshirt Group, de Pequim, Gary Dvorchak.
“Na China, esse processo falimentar demora muito mais do que em outros países, porque o governo chinês fornece todo tipo de socorro para as empresas. Infelizmente, algumas marcas terão que morrer, mas isso faz parte do negócio”, acrescentou.
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Muitas marcas para pouco mercado
A suntuosa sede da Byton, atualmente fechada
Há alguns anos, a China colocou em prática um plano estratégico para se tornar a maior produtora de carros elétricos no mundo. A ambição do governo de Pequim foi replicada pelas províncias, que, localmente, passaram a incentivar a instalação de novas fábricas, prometendo empregos e desenvolvimento.
De acordo com a Bloomberg, existem mais de 300 marcas que se enquadram legalmente como fabricantes de modelos elétricos no país.
“Os governos locais tinham grandes expectativas de desenvolvimento com os EVs. Imaginava-se que o setor fosse impulsionar a economia local”, reconheceu o secretário-geral da Associação Carros para Passageiros chinesa, Cui Dongshu.
“Os investidores também enxergaram um grande potencial de lucratividade, mas a expansão resultou em capacidade excedente”, lamentou.
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Hoje, na China, a capacidade instalada para produção de veículos elétricos é cinco vezes maior que o mercado efetivo. Nanjing, também conhecida no Brasil como Nanquim (a cidade, que empresta seu nome para um tipo de tinta usada para pintura e escrita, é a segunda maior do país), fica na Província de Jiansgsu.
Nos últimos sete anos, o governo local atraiu investimentos de mais de US$ 32 bilhões (o equivalente a R$ 170 bilhões) para construção de nada menos que 30 fábricas de veículos elétricos.
Para erguer sua fábrica local, a Yinlong New Energy, uma das líderes globais no fornecimento de baterias de titanato de lítio (LTO), capazes de alcançar uma vida útil de até 30 anos, investiu US$ 1,6 bilhão, o equivalente a R$ 8,5 bilhão.
A expectativa era de uma produção anual de pelo menos 30 mil ônibus elétricos, além de suprimentos para outras montadoras. As linhas de montagem deveriam estar operando desde 2018, mas os prédios estão abandonados e até as vias que a conectam ao ramal rodoviário estão bloqueadas.
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Lotus, marca pertencente à chinesa Geely, já previa esta crise entre fabricantes de carros elétricos chineses
O consultor Gary Dvorchak, do Blueshirt Group, não é o único a ver este fenômeno até com certa naturalidade. A Geely (Zhejiang Geely Holding), controladora da mítica Lotus e um dos maiores grupos privados chineses (e que chegou a operar no Brasil por um breve período de tempo), vê um ciclo natural se desenrolando.
“O que observamos foram muitas empresas correndo para construírem uma, duas, três, cinco fábricas de veículos elétricos, sem ter um único modelo disponível no mercado. Muitos pensam que é fácil produzir automóveis e, reconheço, se dedicam muito a este sonho”, ponderou o presidente-executivo (CEO) da Lotus, Feng Qingfeng.
“De repente, percebem que este é um negócio muito difícil, que é necessário um capital absurdo para alcançar grandes escalas e, daí, não conseguem mais captar investimentos. É, simplesmente, a ‘mão invisível do mercado’ operando”, concluiu.
Imagens: Divulgação e reprodução
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