Bateria de carro elétrico mantém 87% da capacidade até os 200 mil km
O escritor, jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues gostava de enfatizar o “complexo de vira-latas” do brasileiro, que gosta de se rebaixar diante de outros povos. O vira-latismo foi conceituado para o futebol, mas a virada da eletromobilidade o reconduziu para o mundo das quatro rodas, onde o medo dos veículos elétricos (EVs) é uma espécie de avesso da autoestima.
E não faltam medos ao tupiniquim, quando é indagado sobre a compra de um EV: do receio de a bateria pegar fogo ao pavor de ficar parado na estrada durante uma viagem, com ela descarregada e sem um ponto de recarga a vista, o sujeito não se sente à altura da modernidade.
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Condenado perpetuamente aos motores a combustão interna, o terraplanista automotivo rejeita a eletrificação sob qualquer pretexto, como o receio de a bateria perder sua capacidade de armazenar e reter energia, de ficar “viciada” até, finalmente, morrer e o carro ficar, simplesmente, imprestável.
“Sabemos que a desinformação tem um impacto bastante negativo na virada da eletromobilidade, alimentando medos infundados”, comenta o diretor geral e fundador da consultoria alemã de gestão P3 Group, especializada em tecnologia e sustentabilidade, Christoph Theis.
A empresa acaba de publicar um estudo em que avaliou 50 EVs de sua própria frota, além de outros 7.000 veículos elétricos, e que aponta o que chama de “mal-entendidos” em relação à vida útil das baterias. A avaliação chegou a um resultado de clareza solar:
“Nos primeiros 30.000 quilômetros, a perda de capacidade de retenção de carga é relativamente acelerada, o que significa que o ‘estado de saúde’ (SoH) médio cai de 100% para cerca de 95%”, destaca Theis.
A queda pode assustar os medrosos, mas a boa notícia é que a degradação real diminui com o aumento da quilometragem.
“Os dados que apuramos mostram um SoH só vai decair para cerca de 90%, com 100.000 quilômetros e, depois desta marca, a linha é quase horizontal: entre 200 mil e 300 mil km, a capacidade de retenção de carga é estável e fica na casa de 87%, portanto, bem acima dos 70% a 80% que estão dentro da garantia da bateria”, enfatiza Theis.
“Há uma explicação simples para a rápida perda de SoH na fase inicial: um depósito decorrente das reações do eletrólito se forma no ânodo, durante os primeiros ciclos de carga e descarga. Dependendo da química da bateria, isso pode ocorrer de maneiras muito diferentes, com alguns EVs mantendo 98% do SoH após quase 200 mil km, enquanto outros decaem rapidamente abaixo de 90%”, pontua.
Mas quais são os fatores que afetam, diretamente, na saúde das baterias e é possível o motorista fazer alguma coisa para aumentar o SoH?
Células duram mais do que a garantia
Na verdade, são as características química e técnica dos pacotes de cada fornecedor que vão determinar o ‘buffer’ pretendido, que é a diferença entre a capacidade bruta e líquida de retenção de carga.
Isso ocorre porque o ‘buffer’ pode ser usado tanto para reduzir o envelhecimento perceptível, durante o período de garantia – liberando um pouco mais de capacidade líquida ao longo do tempo – como para uma maior potência de recarga, ajustada por meio de atualização de software, reduzindo os tempos de carregamento, porém estressando as células.
“Em termos gerais, a temperatura e o nível de carga que a bateria apresenta, no momento da recarga, são fatores que interferem bastante no SoH. Se isso ocorrer numa temperatura muito alta, de 60 graus, por exemplo, as reações químicas vão acelerar a perda da capacidade de retenção”, pontua o pesquisador Loic Vichard, do Instituto FEMTO-ST da Universidade Bourgogne Franche-Comté.
A Espectroscopia de Impedância Eletroquímica (EIS), as Análises de Capacidade Incremental (ICA) e de Tensão Diferencial (DVA) são métodos que fornecem informações sobre o estado interno da célula durante uma recarga ou descarga constante.
E, destaque-se, que a grande maioria dos métodos de medição de SoH são fundados em testes de laboratório ou ciclos de condução simplificados, como NEDC, FTP-75 ou WLTP. No caso do estudo do P3 Group, o amplo uso de dados operacionais brutos garantiu uma metodologia mais confiável.
Quando o veículo está parado, as baterias permanecem em temperaturas mais baixas, de até 25 graus, e, ao contrário do que se imagina, o ideal é deixá-lo com menos energia no pacote, se for ficar dias estacionado – níveis mais altos de carga significam voltagens mais altas nas células.
“As correntes mais fortes dos dispositivos de carregamento rápido e uma condução mais ‘esportiva’, com velocidades mais altas e grandes descargas de energia, reduzem os níveis de SoH”, detalha Vichard.
“De qualquer forma, o mais importante é saber que o padrão de garantia de 160 mil quilômetros ou oito anos de uso, que a maioria das montadoras dá para as baterias que equipam seus EVs e que chega a 250 mil km e dez anos em algumas marcas, raramente é subvertida. Na prática, o pacote de baterias dura muito mais do que a garantia e, o mais interessante, muito mais do que outras partes do automóvel”.
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.
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Jornalista Automotivo