CEO da Stellantis pede demissão após perdas bilionárias
Carlos Tavares está milionário e a Stellantis, arruinada. Desde a fusão entre os grupos PSA-PeugeotCitroën e FCA (Fiat Chrysler Automobiles), em janeiro de 2021, Tavares se consolidou como um dos chefões mais arrogantes, arbitrários e bem remunerados da indústria automotiva global.
Enquanto as gigantes tradicionais do setor lutam contra crises, o português mostrou que de bobo não tem nada, tirou o “seu” da reta e ainda juntou um bom pé-de-meia, antes de renunciar ao cargo de presidente-executivo (CEO) do grupo ítalo-franco-norte-americano com sede na Holanda.
Durante seu reinado, a Stellantis viu sua capitalização de mercado cair 30%, de US$ 49,5 bilhões (o equivalente a R$ 300 bilhões) para US$ 35 bilhões (R$ 211,7 bilhões), enquanto o salário de Tavares subiu mais de 55% só em 2023, chegando a US$ 39,5 milhões (o equivalente a R$ 239 milhões) anuais.
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Desde o ano passado, portanto, ele é o gestor mais bem remunerado do setor, em nível mundial – seu ganho anual equivale a 1.580 anos de trabalho do operário francês de qualquer linha de montagem da companhia.
“Agradecemos Carlos por seus anos de dedicação e pelo papel que desempenho na própria criação do grupo”, disse o industrial John Elkann, que não só preside a Stellantis (era, portanto e efetivamente, o chefe de Tavares), como é o CEO da Exor, holding que detém o controle acionário da montadora, e também quem assumirá as funções do português até a nomeação de seu substituto.
O comentário lacônico de Elkann diz mais do que um milhão de palavras sobre quem, nos últimos meses, vinha dando mais atenção à própria reputação do que aos lucros dos investidores.
Para chegar ao salário “escandaloso”, como definiu o jornal parisiense “Le Monde”, um dos mais influentes da imprensa internacional, Tavares convenceu o conselho diretor – que reúne os maiores acionistas da Stellantis – de que devia ser recompensado pelo notável desempenho financeiro que o grupo alcançara, no fechamento do primeiro trimestre deste ano, quando sua capitalização de mercado chegou à cotação recorde de US$ 88 bilhões (o equivalente a R$ 532,3 bilhões).
Ocorre que, nos seis meses subsequentes, os papéis da companhia perderam 60% de seu valor, retrocedendo aos atuais US$ 35 bilhões. Em outras palavras, enquanto os acionistas viram seu investimento murchar, o português encheu os bolsos ao mesmo tempo em que criava uma relação litigiosa com fornecedores norte-americanos.
Hoje, a Stellantis vale muito menos que a Danone (iogurte e produtos lácteos), a Adidas (vestuário esportivo), a Heineken (cerveja), o Cloudfare (conteúdo em nuvem) e a Hershey (chocolate).
Cortes de custos
“O balanço patrimonial positivo que a Stellantis apresentou, neste ano, foi obtido por meio de cortes implacáveis de custos que abrangeram, basicamente, todas as áreas da empresa”, destacou o diretor sênior Henri de Castries. “Mas já em setembro, foi emitido um alerta de lucro que, na época, previa fluxo de caixa livre negativo para 2024, estimado entre 5 e 10 bilhões de euros – o equivalente a R$ 31,7 a R$ 63,5 bilhões.
A relação de Tavares com fornecedores e revendedores norte-americano se tornou cada vez mais tensa e, na Itália, surgiram ameaças de greve após cortes na produção. Ele estava focado muito no curto prazo, em dissonância com acionistas e com o conselho administrativo”, avalia Castries, deixando claro que a saída do português não foi uma opção unilateral e personalíssima, mas praticamente uma imposição da mesa diretiva, já que ele não cogitava a renúncia.
Não bastando a perda de valor, a Stellantis terá um período turbulento pela frente, pelo menos até o final do primeiro semestre de 2025. “O conselho terá tempo para analisar candidaturas internas e externas, mas o período com Elkann como interino não deve encorajar investidores. Será muito difícil, tanto administrativa, como financeiramente para a empresa”, pontua o analista Daniel Roeska, da gestora de ativos Bernstein, que opera uma carteira de quase US$ 800 bilhões (o equivalente a R$ 4,8 trilhões).
“É bom lembrar que, há menos de um mês, a Stellantis colocou 10 mil trabalhadores em licença, na Itália, por causa da queda nas vendas, ao mesmo tempo em que confirmou o fechamento de uma fábrica britânica da Vauxhall, em Luton, na Inglaterra”, acrescenta Roeska. “Pelo menos é fato que Elkann tem bons instintos para escolher um gestor competente”.
Tavares se destacou na Renault, trabalhando com o polêmico Carlos Ghosn, antes de assumir o cargo mais alto da PSA que, na época, estava flertando com a falência. A ele foi dado o crédito de arrumar a casa, antes de orquestrar uma fusão com a FCA.
“Trata-se de um executivo que ganhou cartaz como um gestor capaz de recuperar empresas em graves dificuldades, mas sua estratégia de cortar custos demais, atrasar o lançamento de novos produtos e, principalmente, reduzir a qualidade não agradou os clientes norte-americanos que, a partir de um dado momento, notaram a precarização dos automóveis e, simplesmente, deixaram de comprá-los”, resume o jornalista e editor da “AutoNews” para a Ásia, Hans Greimel.
Na Europa, a Stellantis sofre o mesmo baque dos outros fabricantes tradicionais: a concorrência dos EVs chineses que, pelo menos no papel, Tavares pretendia enfrentar com a parceria com a Leapmotor – mas ela está muito no início e demorará para render, ou não, dividendos.
“Não me parece que a mudança de um CEO tenha o condão de assegurar um futuro para Stellantis”, avalia Greimel. Parece óbvio que, depois que o capital industrial das montadoras foi convertido em capital financeiro, o produto – ou seja, os automóveis – deixou de ser o foco do negócio que, agora, mira única e exclusivamente os dividendos.
E neste mundo em decomposição, não há como negar que o português deu um de carioca para cima do sistema e juntou grana para, querendo aproveitar a praia e os amores genéricos no Algarve, viver uns bons anos sossegado, na beira do mar...
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.
Jornalista Automotivo