Carros chineses lotam portos e atrasam entregas de outras marcas

País é o segundo maior comprador mundial de veículos elétricos e híbridos chineses e estoques passam de 80 mil unidades
PK
Por
22.10.2024 às 18:44 • Atualizado em 27.11.2024
Compartilhe:
País é o segundo maior comprador mundial de veículos elétricos e híbridos chineses e estoques passam de 80 mil unidades

O aumento escalonado do imposto de importação adotado este ano pelo Brasil sobre veículos elétricos e híbridos, aliado à voracidade chinesa de enviar seus excedentes de produção para qualquer país que ainda aceite importar seus carros sem restrições, provocou alta súbita das importações e inflou uma bolha que passa de 80 mil unidades em estoque que já abarrota os pátios de alguns portos brasileiros.

Aqui tem cupom! E você pode vender seu carro na Mobiauto

Você pode se interessar por: 

Este ano a China tornou-se o maior exportador de veículos do mundo, especialmente de modelos elétricos e híbridos. Considerando apenas os eletrificados, de janeiro a agosto o país embarcou 1,4 milhão de unidades, em crescimento de 25% sobre o mesmo período de 2023, segundo dados mais recentes disponíveis da CAAM, China Association os Automotive Manufacturers. E o Brasil foi o segundo maior comprador, nos registros da CAAM, com a importação de 136,1 mil carros nestes oito meses, atrás apenas da Bélgica que comprou 170,9 mil.

Na lista dos dez maiores compradores de elétricos e híbridos chineses, que consumiram 57% das exportações do país nos oito meses de 2024, Bélgica e Brasil são os únicos que importaram mais de 100 mil unidades no período, os oito demais trouxeram menos de 90 mil.

Apenas três países europeus constam na lista dos dez maiores compradores de carros eletrificados chineses: Bélgica em primeiro, Reino Unidos atrás do Brasil em terceiro e Alemanha em décimo. Portanto, o aumento de imposto de 10% para 35% adotado recentemente pela União Europeia terá efeito limitado em diminuir as exportações da China – assim como a elevação da alíquota para 100% nos Estados Unidos não teve efeito algum pois o país já importava quase nada da China.

Inflando a bolha no Brasil

Com as limitações na Europa e nos Estados Unidos o Brasil surge como maior mercado externo disponível e a bolha de carros chineses eletrificados em estoque foi significativamente inflada em junho, mês que antecedeu a segunda elevação do imposto de importação: de 10% para 18% no caso de elétricos, de 12% para 20% aos híbridos plug-in e de 15% para 25% aos híbridos fechados. As novas alíquotas estão sendo aplicadas desde julho e vigoram até o fim de junho de 2025, quando nova elevação será aplicada.

Apenas em junho, com a nítida intenção de formar estoques livres do aumento do imposto, foram importados 70,8 mil carros da China – a maior parte da BYD e GWM –, volume quase oito vezes maior do que a média mensal de vendas destes modelos, na casa de 9 mil, segundo dados consolidados pela Anfavea, a associação dos fabricantes no País.

O aumento da tarifa, portanto, estimulou a formação do estoque elevado. Tanto que no mesmo mês em que a alíquota foi aumentada a importação de chineses eletrificados despencou para 5,4 mil unidades e subiu levemente a 8 mil em agosto.

O estoque na casa de 80 mil unidades corresponde a quase todo o volume dos 81,6 mil veículos importados da China e já emplacados no Brasil de janeiro a setembro deste ano, um recorde histórico. E os veículos estocados nos pátios de portos brasileiros são suficientes para nove meses de vendas, considerando a média mensal atual de emplacamentos desses veículos – que, aliás, desde julho entraram em rota de queda, de 9,7 mil em agosto para 8,6 mil em setembro.

Consequências

Se a trajetória de vendas de híbridos e elétricos chineses continuar tão abaixo dos estoques e as importações seguirem na frequência normal de 8 mil por mês – como acontecia até abril, antes do aumento das tarifas de importação, e voltou para este nível a partir de agosto – os volumes estocados serão mantidos em níveis elevados e podem até a crescer, com consequências negativas.

Quanto maior o estoque maior é o prejuízo. Portanto, em algum momento os importadores chineses terão de furar essa bolha para reduzir perdas. A agulha mais adequada para isso costuma ser a redução de preços. O problema é que esta ação de desova desvaloriza a marca e os carros que foram comprados antes dos descontos.

Ainda que alguns milhares de consumidores possam ser beneficiados por descontos atraentes para comprar carros elétricos e híbridos chineses, quem já comprou será prejudicado pela perda de valor do usado.

Olhando para o mercado como um todo, seja de veículos eletrificados ou a combustão, um estoque deste tamanho tem poder para distorcer o mercado com volatilidade de preços. Pode reduzir valores por algum tempo, mas depois a conta chega com reajustes que tornam os produtos mais caros do que antes, porque as empresas vão correr para recuperar rentabilidade.

Outra questão é que após algum tempo no estoque, por meses em pátios abertos, o carro fica exposto à degradação do tempo. Portanto o freguês poderá comprar um zero-quilômetro e levar para casa um carro com alguns desgastes de usados.

Por fim, mas não menos importante, é que o acúmulo de carros parados nos pátios dos portos já está provocando problemas operacionais. Os veículos chineses estão disputando espaços com veículos de outras procedências e outros produtos importados, o que atrasa as entregas de componentes e pode afetar e encarecer a produção nacional. Segundo a Anfavea alguns de seus fabricantes associados precisaram importar peças por via aérea para contornar o congestionamento dos portos.

A questão, portanto, não é mais se o problema vai acontecer, mas quando – e não deve demorar.

* Pedro Kutney é jornalista especializado em economia, finanças e indústria automotiva. É autor da coluna Observatório Automotivo, especializada na cobertura do setor automotivo, e editor da revista AutoData. Ao longo de mais de 35 anos de profissão, foi editor do portal Automotive Business, editor da revista Automotive News Brasil e da Agência AutoData. Foi editor assistente de finanças no jornal Valor Econômico, repórter e redator das revistas Automóvel & Requinte, Quatro Rodas e Náutica.

Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.

Receba as reportagens da Mobiauto via Whatsapp

Comentários