O fator que pode fazer preço dos carros voltar a cair
Foi estendido para a segunda quinzena de julho e a primeira semana de agosto o efeito dos descontos de R$ 2 mil a R$ 8 mil patrocinados pelo governo para carros até R$ 120 mil. O mercado se sustentou em alta mesmo depois que os R$ 800 milhões em créditos tributários destinados a bancar os bônus já tinham sido esgotados.
Em boa medida este movimento pode ser explicado pelas promoções que as montadoras continuaram a bancar por si próprias, comprovando que é hora de abrir mão de parte dos lucros para melhorar o desempenho este ano.
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Segundo levantamento da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), divulgado em 7 de agosto, até a metade do mês passado cerca de 50% dos emplacamentos foram de carros vendidos com o bônus do programa do governo, em vendas que foram acertadas na última semana de junho ou no começo de julho.
A partir da terceira semana de julho, começou a cair bruscamente o número de carros vendidos com descontos do programa governamental, até praticamente sumir no fim do mês.
Ainda assim a média diária de emplacamentos permaneceu em nível parecido, para fechar o mês com 215,7 mil veículos leves vendidos, volume mensal que não se via desde dezembro de 2020, e o melhor julho desde 2019, com crescimento de 20% sobre junho e de 27,6% ante o mesmo mês de 2022.
Mais: na primeira semana de agosto, segundo o mesmo levantamento da Anfavea mostra, o volume de vendas ainda permanece em patamar elevado, 23% superior ao verificado no mesmo intervalo de agosto do ano passado – quando o problema maior era a falta de chips eletrônicos que limitava a produção.
Interesse aguçado
Márcio de Lima Leite, presidente da Anfavea, sustenta que os descontos aguçaram novamente o interesse de parte da população que já tinha desistido de comprar carros zero-quilômetro, e isto atraiu mais gente às concessionárias.
Uma vez lá, vendedores fizeram o trabalho de convencimento, oferecendo descontos e financiamentos com taxas reduzidas bancadas por fabricantes e seus bancos. Lima Leite afirmou que, se o mercado continuar no mesmo ritmo, as vendas deste ano poderão crescer de 5% a 7% sobre 2022.
Ainda assim, o presidente da associação ainda não arrisca refazer as projeções da entidade, mantendo a conservadora previsão de avanço de 4%, esperando o emplacamento de pouco mais de 2 milhões de veículos leves em 2023, que assim será o terceiro ano consecutivo de estagnação.
A questão agora é, portanto, saber por quanto tempo os fabricantes vão bancar as promoções sem a ajuda fiscal do governo. Segundo uma consultoria, os descontos diminuíram bastante após o fim dos subsídios e os preços já estão bem próximos dos valores sugeridos de tabela.
Já os planos de financiamento promocionais oferecidos com juro zero têm baixa atratividade, pois a entrada mínima exigida é alta, acima de 50% do valor do bem. Ainda assim, se os estoques começarem a crescer novamente, pode acontecer um efeito rebote caso algum fabricante resolva ser mais agressivo nas promoções, pressionando a concorrência a conceder descontos também para não perder terreno.
Condições mais favoráveis
O que mais deve impactar o mercado daqui por diante é a redução dos juros dos financiamentos, após os cortes na taxa básica Selic iniciados este mês pelo Banco Central, o que também aumenta a oferta e a aprovação de crédito no mercado.
O raciocínio é simples: se o custo do financiamento cai, também cai o valor a ser financiado, por consequência o valor das parcelas diminui e elas começam a caber no bolso do freguês, ao mesmo tempo em que os bancos reduzem sua aversão ao risco e começam a aprovar mais fichas.
Esse ciclo virtuoso de expansão do crédito será potencializado se os preços dos veículos também caírem, devolvendo o poder de compra aos consumidores, tanto pelo valor mais baixo do bem como pelo financiamento que cabe no orçamento.
Os fabricantes podem e devem promover reduções de preços, pois os custos de produção já voltaram a ficar mais comportados e as empresas estão reportando lucros robustos, portanto poderiam destinar parte dos ganhos para promover descontos e, assim, vender mais e capitalizar em cima do aumento de volumes.
Isto é algo que os próprios consumidores deverão obrigar os fabricantes a fazer, usando a seu favor a velha e boa lei da oferta e procura: se a demanda cair, os descontos sempre aparecem.
É como sugeria a publicidade de um fabricante: “Não compre carro hoje”, espere pelo preço melhor. Afinal, as montadoras não vão conseguir suportar por muito tempo volumes de vendas que hoje deixam muitas fábricas ociosas.
Esta situação só foi possível, até agora, porque até o fim de 2022 não houve problema de demanda. Tudo que se produzia era vendido pelo preço que se pedia. Os clientes estavam pagando e os fabricantes estavam lucrando mais mesmo vendendo menos. Mas este ano o cenário mudou: as vendas caíram e os descontos voltaram. Já não era sem tempo.
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.
Pedro Kutney é jornalista especializado em economia, finanças e indústria automotiva. É autor da coluna Observatório Automotivo, especializada na cobertura do setor automotivo. Ao longo de mais de 35 anos de profissão, foi editor do portal Automotive Business, editor da revista Automotive News Brasil e da Agência AutoData. Foi editor assistente de finanças no jornal Valor Econômico, repórter e redator das revistas Automóvel & Requinte, Quatro Rodas e Náutica.
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