O lado sujo do carro elétrico nas minas de lítio
A humanidade tem longa tradição em resolver problemas criando outros. Mais um capítulo dessa história está começando a ser escrito com a corrida pela eletrificação dos veículos, a solução preferencial dos países industrializados para eliminar as emissões da queima de combustíveis fósseis.
Esta escolha também tem custos ambientais relevantes, especialmente com o aumento meteórico da exploração do lítio, principal matéria-prima para a produção das baterias que alimentam a propulsão elétrica.
A corrida ao “ouro branco” – como vem sendo chamado o lítio por sua crescente importância energética comparável ao “ouro negro” que identifica o petróleo – tem recebido críticas de ambientalistas que temem os efeitos adversos da exploração do metal em larga escala.
Assim como qualquer outra atividade de mineração, os processos de extração, refino e descarte do lítio também agridem o meio ambiente, inevitavelmente causam degradação do solo, perda de biodiversidade, contaminam a água e o ar, segundo recente relatório da Friends of the Earth International, FoEI, organização ambientalista que atua em diversos países.
Briga por água
O alto consumo de água, recurso cada vez mais escasso no mundo, é o ponto mais crítico das preocupações. São necessários 2,1 milhões de litros d’água para refinar cada tonelada de lítio – quantidade suficiente para produzir as baterias para cerca de 80 carros elétricos como o Tesla Model S, com seu módulo de baterias que tem 12 quilos de lítio.
Esta característica da mineração de lítio torna-se ainda mais preocupante porque a maior parte das reservas conhecidas do metal estão localizadas em áreas desérticas. A mineração contamina e desvia a água de onde ela já é rara – e essencial para a sobrevivência da fauna, flora e das comunidades locais.
Atualmente, cerca de um quarto do fornecimento mundial do minério vem de salinas no Atacama, ao norte do Chile, onde a extração e o refino por evaporação, em enormes piscinas sob o Sol, consome 21 milhões de litros d’água por dia.
“A extração de lítio já causou conflitos por água com diferentes comunidades como em Toconao, no norte do Chile”, aponta o relatório da FoEI.
Mais da metade das reservas do metal identificadas no mundo estão localizadas no chamado “triângulo do lítio”, onde se encontram as fronteiras de três países: Chile, Bolívia e Argentina. Depois da América do Sul o maior produtor mundial são os Estados Unidos, seguidos de perto por China e Austrália.
Jazidas menores foram encontradas no Zimbábue, na África, no Brasil e também na Europa, onde a única mina ativa está em Portugal, mas produz essencialmente para a indústria de equipamentos eletrônicos.
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Apetite aumentado por lítio
O lítio já é há décadas muito usado no mundo para produção de baterias de equipamentos eletrônicos como laptops e celulares, mas a aplicação em carros elétricos induz ao aumento da demanda sem paralelo na história, o que pode provocar consequências ambientais ainda imprevisíveis, já que nunca o minério foi tão explorado – e será ainda mais.
Enquanto são necessários de 2 a 3 gramas de lítio para produzir a bateria de um iPhone 11, o módulo de energia de um Tesla Model S precisa de 12 quilos do metal, mas dependendo do veículo essa quantidade pode chegar a 30 quilos.
Algumas projeções apontam que mais de 60% dos veículos vendidos no mundo a partir de 2030 serão eletrificados e vão consumir 90% do lítio produzido no mundo. Até o fim desta década o consumo mundial de lítio para baterias de carros eletrificados deverá crescer de atuais 350 mil para 3 milhões de toneladas por ano, segundo calcula a Rio Tinto, segunda maior mineradora do mundo.
O problema é que os projetos de extração conhecidos até o momento dão conta de apenas 1 milhão de toneladas/ano, um terço da demanda projetada. Com isso as indicações são de que a corrida pelo lítio deverá continuar crescendo em proporção similar à cotação do minério, que segue subindo, colocando sérias dúvidas sobre a tão esperada redução dos preços dos carros elétricos.
A Agência Internacional de Energia, ligada à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, OCDE, estima que a demanda global de lítio deverá crescer 40 vezes nos próximos 20 anos, colocando a classificação do minério na mesma categoria do petróleo como elemento de segurança energética mundial.
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Riscos
Especialistas apontam que esta é uma situação, no mínimo, muito perigosa, dado que não se conhece ainda todos os efeitos que tamanha expansão da mineração e uso do lítio trará a este já mal tratado planeta. Já se defende que alternativas mais baratas e menos tóxicas deveriam ser exploradas, incluindo pesquisas com baterias de ferro, pilhas de hidrogênio ou mesmo os biocombustíveis.
Apesar de ser um recurso finito, assim como o petróleo e outros minérios, ainda não se vislumbra no horizonte escassez de lítio, mas a maior parte das reservas conhecidas são de difícil acesso, o que pode tornar inviável, em menos de uma década, a eletromobilidade baseada na tecnologia das baterias de íons de lítio.
A consultoria Fitch Solutions alerta que o fornecimento mundial de lítio tem muitas vulnerabilidades, incluindo concentração geográfica em poucas regiões com presença limitada de mineradoras de grande porte. Assim como acontece com o petróleo, países donos das maiores reservas podem adotar políticas nacionalistas e ambientais que ameaçam a expansão da produção.
Na Europa, por exemplo, projetos de exploração de lítio em Portugal, na Alemanha e na Sérvia estão encontrando forte oposição da população. Ou seja, o continente quer adotar carros elétricos para limpar suas emissões de combustíveis fósseis, mas não quer a sujeira das minas de lítio, preferindo varrer os danos ambientais da eletrificação para debaixo do tapete de nações subdesenvolvidas.
Pedro Kutney é jornalista especializado em economia, finanças e indústria automotiva. É autor da coluna Observatório Automotivo, especializada na cobertura do setor automotivo, e editor da revista AutoData. Ao longo de mais de 35 anos de profissão, foi editor do portal Automotive Business, editor da revista Automotive News Brasil e da Agência AutoData. Foi editor assistente de finanças no jornal Valor Econômico, repórter e redator das revistas Automóvel & Requinte, Quatro Rodas e Náutica.
Imagens: Divulgação e Shutterstock
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.
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