Volta do imposto acelera corrida por elétricos, mas demanda é desconhecida
A súbita alta das vendas de carros elétricos e híbridos importados nada tem a ver com a tendência de aumento gradual da penetração dos modelos eletrificados no mercado brasileiro. Estes veículos ainda são para poucos no Brasil – e em boa parte do mundo – e seguirão com participação na preferência tão baixa quanto a renda média dos brasileiros.
Três fatores explicam a bolha inflada de vendas de eletrificados em dezembro e janeiro, com algum alcance também neste fevereiro: a retomada do imposto de importação sobre estes modelos, em escala gradual a partir deste ano até chegar a 35% no meio 2026; reduções de preços com o acirramento da competição provocado pelas marcas chinesas, especialmente a BYD; e muita publicidade, principalmente da BYD e da GWM na TV.
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Mas o fator que mais inflou esta bolha foi a retomada do imposto de importação, que era de zero para os 100% elétricos BEVs [battery electric vehicles] e em janeiro subiu a 10%, e de 4% para 12% no caso dos híbridos.
A bolha de dezembro e janeiro
Para escapar da elevação do imposto e sustentar preços mais baixos os importadores de carros elétricos aumentaram consideravelmente as encomendas em novembro e dezembro, com vazamento desses volumes para janeiro e fevereiro.
Os números falam por si: as vendas de BEVs nunca passaram de 1 mil unidades por mês de janeiro até agosto de 2023 e ficaram neste nível até outubro, quando os emplacamentos saltaram para 2,4 mil veículos, quase 3,2 mil em novembro e súbitos 6 mil em dezembro – sendo 5,5 mil, ou 93%, só da BYD –, mês no qual os importadores aceleraram as importações para escapar da retomada do imposto.
O último trimestre de 2023 concentrou 60% das vendas de elétricos no ano e dezembro sozinho registrou 31% dos negócios. Com isto a participação dos BEVs no mercado brasileiro, que foi de apenas 0,4% em 2022, saltou a 0,9% em 2023, com 19,3 mil emplacamentos e crescimento meteórico de 128% sobre 2022. Mas em dezembro isoladamente esta participação chegou a 2,5%, um recorde que já foi batido em janeiro.
Muitos desses carros elétricos importados em dezembro foram nacionalizados ainda sem imposto de importação, mas só foram emplacados em janeiro e fevereiro. Tanto que no primeiro mês do ano a participação dos elétricos cresceu ainda mais, para 2,9%, com quase 4,4 mil unidades vendidas – 4,3 mil só da BYD –, em outra expansão meteórica de 480% na comparação com o mesmo mês de 2023.
A súbita ascensão dos carros eletrificados fez a participação de veículos importados no total das vendas de janeiro saltar para 19,5%, o maior porcentual em dez anos. Dos 31,5 mil carros importados no mês, 26% foram eletrificados, sendo 3,8 mil híbridos plug-in, ou 12%, e 4,4 mil elétricos, ou 14%.
Projeção para 2024
Os números de fevereiro, ainda não fechados, já apontam para algum arrefecimento, mas as vendas de BEVs seguem impulsionadas por promoções e devem ficar em patamares elevados, na casa de 3 mil unidades, para começar a descer a níveis abaixo de 2 mil/mês a partir de abril.
Ao menos é isto que projeta a Anfavea, a associação dos fabricantes: a estimativa da entidade é de 24,1 mil elétricos vendidos este ano, o equivalente a 1% do mercado total projetado de 2,3 milhões de veículos leves e com alta de 25% sobre 2023 – embora ainda seja um crescimento expressivo, trata-se de expansão bem mais comportada em face do aumento de 128% registrado um ano antes.
Já para o mercado de híbridos, que conta com produtos nacionais e deverá ter este quadro ampliado com o lançamento de mais carros eletrificados produzidos no País, a Anfavea projeta alta maior, de 57% sobre 2023, com a venda de 117,9 mil unidades, equivalente a 5,1% do mercado total projetado.
O fenômeno BYD
Em meio à alta da participação dos elétricos nas vendas de veículos no País o maior vencedor, sem sombra de dúvida, é a chinesa BYD, que em apenas dois anos explorando o mercado brasileiro lançou cinco modelos elétricos – e já prepara o sexto este ano – e um híbrido plug-in.
Assim como está fazendo em todo o mundo onde coloca suas rodas, a BYD provocou rebuliço no mercado nacional de eletrificados ao lançar o Dolphin, no meio de 2023, por R$ 150 mil, puxando para baixo os preços de todos os concorrentes. O mesmo movimento já começou a acontecer novamente neste início de ano com o anúncio do lançamento do Donphin Mini – ou Seagull em outros países – por preço abaixo de R$ 100 mil.
A BYD sozinha dominou 93% das vendas de carros elétricos no Brasil em 2023, com 17,9 mil emplacamentos e participação de 0,82% do mercado total, fechando o ano na 15ª posição no ranking de marcas.
Mas foi o desempenho de dezembro que mais chamou a atenção, com 5,5 mil emplacamentos, que fez a BYD entrar no grupo das dez marcas de veículos mais vendidas do País, superando participantes mais tradicionais como Peugeot, Citroën, Caoa Chery e Ford.
O volume de dezembro representou 30% das vendas da BYD em 2023 e quase metade delas foi do Dolphin, modelo elétrico mais vendido no Brasil no ano passado com 6,8 mil unidades, sendo 2,2 mil delas último mês do ano, ou um terço dos emplacamentos.
Em janeiro a marca chinesa seguiu forte na décima posição do ranking nacional, com quase 4,3 mil emplacamentos e 2,8% das vendas totais de veículos no País, ainda à frente de todas as concorrentes tradicionais já citadas. E fevereiro promete: nos dez primeiros dias úteis do mês a BYD vendeu perto de 1,8 mil carros e seguia na décima colocação.
Força da publicidade
No caso da BYD, além de preço e oportunismo de importar mais carros antes da retomada do imposto de importação, há mais um fator que impulsiona as vendas: o forte investimento em publicidade na TV que tornou a marca rapidamente conhecida dos brasileiros, seguindo estratégia de massificação parecida com o que já fez em passado recente o Grupo Caoa com Chery e Hyundai.
No segundo semestre de 2023 a BYD foi a marca de automóvel que mais apareceu em comerciais na TV, com 172 inserções publicitárias em canais abertos no Estado de São Paulo – principalmente no horário nobre da Globo – e 4,5 mil em canais por assinatura, segundo levantamento da Tunad, empresa que coleta dados de inserções de anunciantes na TV aberta e fechada.
E nos números acima nem foram contabilizadas o vasto número de ações comerciais de merchandising que mostraram o Dolphin dentro de novelas e outros programas da Globo, que massificaram ainda mais o produto.
Em segundo lugar, mas bem abaixo da BYD, vem a conterrânea GWM: a Tunad contabilizou ao longo de 2023 o total de 81 inserções publicitárias da marca na TV aberta de São Paulo e quase 2 mil em canais por assinatura. Isto sem contar, também, ações de merchandising, como a presença da GMW no The Voice com a premiação de um elétrico Ora 03 para o vencedor do programa.
Juntas, no pico de setembro do ano passado, BYD e GWM foram responsáveis por impressionantes 38,5% de todas as inserções publicitárias de comerciais de veículos na TV aberta e paga, ainda de acordo com a aferição da Tunad. O pico da BYD foi justamente em setembro, com 2,2 mil inserções, e o da GMW em julho, com 658.
Seja pela força da publicidade ou dos preços menores o fato é que as duas marcas chinesas estão puxando o mercado de carros elétricos a um novo e mais alto patamar. Contudo os números do último trimestre de 2023 e do primeiro trimestre de 2024 estão inchados pela bolha criada com a retomada do imposto de importação sobre veículos eletrificados. Será preciso esperar mais alguns meses – especialmente com a chegada de modelos mais baratos e o início da produção nacional da BYD e da GWM – para saber qual é, de fato, o tamanho da demanda por elétricos no Brasil.
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto
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* Pedro Kutney é jornalista especializado em economia, finanças e indústria automotiva. É autor da coluna Observatório Automotivo, especializada na cobertura do setor automotivo, e editor da revista AutoData. Ao longo de mais de 35 anos de profissão, foi editor do portal Automotive Business, editor da revista Automotive News Brasil e da Agência AutoData. Foi editor assistente de finanças no jornal Valor Econômico, repórter e redator das revistas Automóvel & Requinte, Quatro Rodas e Náutica.
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