Como as luzes do painel podem salvar o seu carro e o seu bolso
O ano era 1996, meu pai chega na escola para me buscar na sua mais nova aquisição: um Ford Del Rey GLX 1.6 Azul. Lembro como se fosse hoje daquele carro: conforto, silêncio, espaço e aquele painel cheio de “relógios”, que pro “mini William” da época não tinham sentido prático, mas o visual era incrível. A partir daquela visão, qualquer painel com menos mostradores não fazia mais sentido para a minha cabeça infantil. Como um carro poderia existir sem aquela quantidade de monitoramento?
Alguns anos depois veio a onda tunning, carregada pelo início da franquia Velozes e Furiosos. Os mais velhos vão se lembrar da moda de encher o carro com marcadores e mostradores, alguns ocupando até o acabamento da coluna A. Nessa época eu já entendia um pouco, e os mostradores começaram a fazer mais sentido pra mim. Comecei a perceber que os carros adquiridos pela família tinham cada vez menos instrumentos, com estes sendo substituídos por meras lâmpadas, sem o mesmo brilho dos mostradores analógicos do Ford do pai.
Provavelmente agora você está me dizendo mentalmente que a razão da retirada desses mostradores é aquele bla bla bla de redução de custos, e que ninguém entendia mesmo o que estava sendo mostrado. Eu concordo, infelizmente, que uma lâmpada é tão inútil para um leigo quanto um mostrador “gritando” que algo está errado e que o veículo precisa parar imediatamente, com risco de danos permanentes em seus componentes. Mas, e a minoria de pessoas que entendem o básico e poderiam salvar um motor que está começando a aquecer? O risco de prejuízo grande aumenta quando se tem somente uma lâmpada avisando que deu ruim.
Grande parte dos motoristas desconhece os principais símbolos de alerta
Infelizmente, existem casos onde não conseguimos prever o problema só com os mostradores convencionais, e um pouco de sabedoria e precaução são bem vindos para preservar o nosso equipamento. Vou contar dois episódios com fins distintos onde esses mostradores e um pouco de interpretação resultaram numa conta com cifras bem diferentes pros donos.
Ambos os defeitos originaram no bico injetor, que por algum motivo desconhecido travaram abertos durante o funcionamento do veículo. O primeiro ocorreu numa Hyundai Tucson V6 de um amigo, que embora goste bastante de carro é pouco entusiasta. Era um domingo e ele se deslocava de Santos para São Paulo quando percebeu que o carro estava falhando e perdendo força. Resolveu seguir assim mesmo, por desconfiar ser algum problema simples, como velas ruins ou falha de combustível. Ainda por desconhecimento, e por falta de algum instrumento que indicasse que a mistura estava super rica em situações onde não deveria, ele acabou por não desconfiar que um bico regava o cilindro dele de gasolina, e que isso poderia ocasionar um calço hidráulico. Infelizmente essa história termina junto com todo o conjunto interno do motor Delta empenado, possivelmente na partida do carro no dia seguinte para levar ao mecânico.
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O outro caso aconteceu comigo mesmo, há algumas semanas, mas numa situação bem diferente. Para fins de contexto, meu carro atual conta com uma injeção reprogramável FuelTech 450, equipada com sensor de pressão de óleo, sonda lambda wideband, sensor de pressão de combustível e todas as outras medições possíveis de um dash da FuelTech. Além disso, eu configurei todos os alarmes sonoros e visuais para, caso eu estivesse sem atenção, a injeção me “gritasse” pedindo socorro e na pior das hipóteses, em uma situação limite, acionasse o modo de emergência.
Dash da FuelTech 450: simples, mas bem completo
Como o meu motor é extremamente monitorado e o carro não é muito original, eu sempre desconfio de qualquer coisa diferente. Coisa de quem tem carro velho mesmo. Na semana em que ele quebrou eu senti que algo de errado existia, porque a partida a frio estava estranha. Em resumo: eu agendei mentalmente uma limpeza de bico para os próximos meses e comecei a observar mais o comportamento da sonda, para detectar com mais exatidão algum comportamento estranho no motor. infelizmente, na semana que eu notei o problema, o bico do cilindro nº 1 resolveu falecer na volta para casa do trabalho.
Mas, diferente do desfecho do meu amigo da Tucson, tudo correu bem. Como eu tenho tudo monitorado, no primeiro sinal de falha percebi que a sonda acusava mistura muito rica. Tal diagnóstico seria praticamente impossível num carro original, pela falta desses mostradores. Outro fator foi perceber que eu não poderia desligar o motor para liga-lo novamente, evitando assim o calço hidráulico que vitimou a Tucson. Continuei monitorando o motor até chegar em casa e desligar o carro em segurança, para depois pensar com mais calma em uma solução.
Percebam que nesses dois casos o defeito é o mesmo, mas a ausência principalmente de conhecimento dos riscos levou a danos mortais em um motor. Lógico que esse é um exemplo extremo de como um instrumento pode salvar o seu bolso e seu equipamento, mas podemos traçar um paralelo: o mesmo poderia acontecer em um simples superaquecimento do motor. Imagine uma pane, por exemplo, na ventoinha do sistema de arrefecimento, que levou a um desvio leve de temperatura e que ainda não causou um estrago maior. Com a luz espia de alerta de temperatura da maioria dos carros modernos o condutor poderá perceber o problema somente quando este causar algum dano maior.
Meu ponto é: aceito que as montadoras estejam em busca do equilíbrio entre o custo final do automóvel e a lucratividade. Aceito também a utilização de leds ou digitais no lugar dos belíssimos painéis com mostradores analógicos (sim, eu sou purista). Eu também entendo que não tem sentido mostrar a pressão de óleo para um usuário comum ou a tensão da bateria, mas itens básicos como a temperatura da água e RPM deveriam ser obrigatórios para uma boa condução e segurança.
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.
William Marinho, engenheiro mecânico e entusiasta do mundo automotivo.
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Jornalista Automotivo