Como as marcas antecipam tendências e vencem mesmice no mercado de carros
Quem
nunca ouviu falar da teoria do Oceano Azul e Oceano Vermelho? Apesar de parecer
simples à primeira vista, ela é razoavelmente difícil de se alcançar. E sim,
estou falando do Oceano Azul!
Quem não deseja ter um produto que cria uma demanda inexistente, com alto nível de diferenciação, tecnologia de ponta, poder de sedução e rentabilidade! Isso te entregaria, para deixar tudo mais saboroso, uma capacidade de crescimento de percepção de marca espetacular. Então por que todas as marcas não fazem isso? Bem, te garanto que todas buscam! Exaustivamente!
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O
ponto é que, como disse acima, não é tão simples. Tudo começa por uma
leitura primorosa do mercado e de todas as suas tendências. Esta leitura
passa não somente pelo que os consumidores desejam consumir e nem sabem ainda.
Passa muitas das vezes por dezenas de outros campos comportamentais onde a leitura
pode estar entremeada. Família, música, moda, entretenimento e psicologia,
dentre outros. Podemos ainda ir na direção de regulamentações de emissões, de
áreas de circulação, de novas exigências de segurança e aí por diante.
Difícil e desistir? Não!
Peguei 3 exemplos para falar de Oceano Azul. Tenho a certeza de que muitos outros existem e entregaram as mesmas qualidades de resultados aqui mencionados. Vamos lá!
Primeiro exemplo: Fiat Uno Mille. Todos nós sabemos que, partindo da regulamentação por parte do Governo Collor em 1990 com impostos estaduais e federais reduzidos, iniciou-se um estímulo à oferta do chamado “carro popular” com motorização até 1.000 cm³.
E a Fiat foi rápida. O Uno Mille tinha um motor que, na realidade, era o antigo Fiasa com 1.050 cm³. Bastou reduzir aos 994 cm³ que eram do projeto original europeu, já que para o lançamento do Uno em 1984 ele havia sido aumentado. E pronto! A Fiat foi a primeira em 1990 a lançar um produto se beneficiando dos benefícios fiscais!
Sua exclusividade durou muito tempo? Relativamente sim! O segundo modelo a ser lançado dentro deste modelo de “carro popular” foi o Chevrolet Chevette Júnior em 1992, que convenhamos, nunca foi um sucesso! No ano seguinte, em 1993, a Ford lançou o Escort Hobby 1.0 que de empolgante não tinha quase nada. No mesmo ano chegou o VW Gol 1.000 que, sim, se tornou um concorrente forte contra o modelo da Fiat. E aqui sim, um tubarão cruzou a fronteira. O Oceano Azul no qual a Fiat permaneceu de 1990 a praticamente 1993 agora não era mais um ambiente isolado e sim hostil onde a concorrência direta teve início.
Vamos ao segundo exemplo? Este fez muita “raiva” em quase todos os concorrentes! Ford Ecosport!
Quem não se lembra do sucesso das minivans? Era uma onda forte de desenvolvimento onde na época do lançamento do Ford Ecosport em 2003 já tínhamos no mercado modelos como o Mercedes Classe A, Renault Scenic, Chevrolet Meriva e Zafira. Pois bem, os SUV’s eram uma tendência que a Ford preferiu apostar! Enquanto todos, inclusive Honda com o Fit e Fiat com o Idea, apostaram nas minivans, a Ford leu adiante!
E assim ela apresentou o Ford Ecosport em 2003. Sim, em ordem máxima ele apresentava um “jipinho” com toda a habitabilidade, somada à altura elevada do solo e visual até mais esportivo que o familiar das minivans. Legal isso né? Afinal, hoje o SUV é família pura e esportividade “bem de leve”!
Mas nem tudo foram flores. Alguns pecados foram cometidos no lançamento. Versões como a 1.0 Supercharged e a 2.0 4X4 não foram lá um grande sucesso, pelo contrário. Mas não tiraram da Ford o seu Oceano Azul! Eles nadaram de uma forma bem tranquila até 2006 quando o Hyundai Tucson, lançado em 2004, caiu nas graças dos clientes e começou a vender bem. Mas mesmo assim podemos falar que o Ecosport até com o Tucson do lado aproveitou a onda do ineditismo e inovação. Pena que o resto da história nós conhecemos. A mesma Ford que soube ler uma tendência, dormiu e deixou até os mais lentos lançarem seus SUV’s e o levarem ao fim. Não falei que era difícil chegar no Oceano Azul? E se manter? Pior ainda!
Terceiro exemplo! Mais atual! E nada mais óbvio que falar dela, a Fiat Toro! Lançada em 2016, e eu estava lá, ela representou mais que o case do Ford Ecosport. Seu conceito como produto transcendia o ineditismo. Criar uma picape com estrutura monobloco, oferecendo assim uma dirigibilidade similar aos queridinhos SUV’s, com versatilidade e capacidade de carga que a faziam um curinga e por fim motorizações Flex e Diesel, a tornaram tudo que ela precisava para estar no seu Oceano Azul!
Quando do seu lançamento em 2016, a Renault lançou sua Oroch, picape derivada do SUV Duster. O modelo tinha seus atributos mas não entregava nem de perto o pacote de benefícios que a Fiat Toro entregava. Prova disso foi a larga diferença de volumes de vendas entre as duas nos meses subsequentes ao lançamento e também os prêmios ganhos pela Fiat Toro.
O interessante neste caso é que até hoje não foi lançada uma picapep que tenha um escopo como produto similar à Fiat Toro. Tentativas existem. A Renault deu um tapa no visual da Oroch e adicionou o motor 1.3 TCe na sua versão topo de gama. Belas novidades mas não suficientes para causar transtornos para a Toro. Digamos que a Oroch tem seu maior poder nas versões 1.6 de entrada onde tem clientes cativos pela resistência e durabilidade apresentada.
A VW deu um tapa para cima em 2018 apresentando um modelo de estilo da VW Tarok. Ela, definitivamente, se aproximava à Fiat Toro seja pelas suas dimensões ou tecnologias. A única dúvida recaía na época sobre possíveis motorizações a diesel. Porém já é sabido hoje que a VW não irá neste caminho. As maiores chances, por questões de custo, seriam ela ir na mesma direção que a Chevrolet Montana.
E falando de Montana, ela foi a única que quis realmente beliscar a Fiat Toro. Problema? Seu tamanho e motorizações disponíveis. Ela se posiciona exatamente entre a Fiat Strada e Toro, o que não a deixa tão confortável. Com a Strada ela tem a vantagem do maior tamanho e do motor Turbo, algo que acaba esta semana com olançamento da Strada com o motor 1.0 Turbo igual ao Pulse e Fastback! Olhando a Montana frente a Toro, seu motor 1.2 Turbo rende bem menos que o 1.3 Firefly Turbo e ainda lhe falta a opção Diesel.
Claro que em um mercado com inúmeras opções de compra, a Fiat Toro não possui como concorrentes apenas outras picapes. E eles incomodam sim. Mas uma coisa é verdade, nenhuma marca conseguiu replicar a tendência vista pela Fiat no passado com a Toro!
Mas não acabou. Sabe quem pode estar fazendo isso agora? A prima da Toro, a Ram Rampage. Ela foi feita, claro, para ser um passo à frente da Toro. Uma evolução natural para os clientes que querem crescer dentro da gama da Stellantis. Mas a prova maior de que elas se relacionam foi a redução de preços efetuada pela Fiat na Toro em junho, antes do lançamento da Ram Rampage. Ou seja, um “fogo amigo” já fez a Toro passear no Oceano Vermelho, de leve, mas fez.
Como dar exemplos agora sobre o Oceano Vermelho? Quando olhamos para produtos que não representam modelos dignos de colherem os frutos do Oceano Azul, sabemos que eles terão o ciclo de vida clássico com as fases de lançamento, crescimento, maturidade e declínio, e com todos os seus custos financeiros inerentes.
Podemos exemplificar um cenário do Oceano Vermelho quando o mercado vai mais longe. Quando se gasta mais que o inimaginável em modelos que não permitem e em estruturas financeiras que não suportam tamanho movimento.
Vamos falar de 2003? Este ano foi bem atípico, com uma mescla de grandes lançamentos na ótica estratégica, mas em contra partida com impactos traumáticos nas ações táticas.
Primeiro, lançamentos. Este ano foi muito legal. Dentre todos os lançamentos podemos destacar nada mais e nada menos que 7 em marcas representativas. Como modelos totalmente novos tivemos Ford Ecosport (bem falado neste artigo), VW Fox, Honda Fit, Chevrolet Montana, Citroen C3 e Mitsubishi L200. E para fechar os 7, temos o segundo face-lift do Palio que sempre acompanhava belos volumes.
Mas como podemos falar de maus resultados em um ano com tão bons lançamentos? Simples. Em alguns casos os investimentos para se lutar pelo cliente estavam alocados em modelos que não foram atualizados em 2003 ou que eram os que seriam substituídos por estes lançamentos.
E a disputa não foi simples. Foi, com certeza, historicamente um dos anos onde mais se investiu na busca pelo cliente. E isso significa dinheiro gasto na veia, sem filtros.
Tivemos altos investimentos em ações comerciais no mercado. As maiores marcas atuaram constantemente com fortes políticas comerciais para o varejo, através da oferta de bônus e taxas e ainda descontos nunca vistos para vendas corporativas! E para comunicar tudo isso, nada como campanhas publicitárias para varejo com investimentos altíssimos!
Os resultados financeiros para várias marcas foram extremamente negativos. Fato que comprova isso foi o de que no final de 2003 e começo de 2004 três presidentes de montadoras foram trocados. A oxigenação se fazia necessária e todos os que saíram assumiram posições dentro da estrutura das suas marcas em outros mercados.
Um ano para se esquecer, pelo menos nos resultados financeiros.
E pensando neste conceito de Oceano Azul e Oceano Vermelho, como estamos hoje?
Sabemos e eu já falei sobre isso em outro artigo, que saímos de um mercado comprador durante a pandemia para um mercado atualmente vendedor. Por um bom tempo com a falta de componentes e consequentemente produtos, vimos políticas comerciais e brigas acirradas de uma forma muito mais leve, afinal faltava produto e sobrava cliente. Para que brigar como um tubarão então?
Mas hoje os sinais já estão diferentes. Temos percebido movimentações em preços e ações comerciais que já demonstram que o oceano não está para peixe.
Pensando apenas em preços e produtos, podemos ver movimentos com motivações diversas. Podem passar por ajustes internos de gama, acertos de competitividade, percepção de ameaças externas com novos lançamentos – mais frequente atualmente – e outros que nunca saberemos pois são mantidas e atuadas internamente entre Montadoras e Rede de Concessionárias.
O certo é que o oceano não está tão calmo como há alguns meses atrás e agora os tubarões estão de olho.
Impacto? Para o cliente é uma delícia, pois ele está com a faca e o queijo na mão, podendo negociar da forma mais confortável possível. No caso das montadoras, o cenário é muito desafiador quando vemos marcas reduzirem preços na ordem de 10 a 20%, impactando diretamente na sua rentabilidade. Os sabichões de plantão falarão que eles ganham muito mais que isso e que este não é um problema. 2003 que o diga!
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.
Adriano Castello Branco Resende, casado com a Renata e pai do Diego. Formado em Administração e com MBA em Marketing. Apaixonado por carros e com mais de 25 anos de experiência no mercado, com passagens nas áreas de Marketing, Produto e Comunicação em marcas como Fiat, Chrysler, Jeep, Nissan, Jaguar Land Rover e Renault.
Especialista Automotivo