Os truques que um vendedor usa para te convencer a comprar um carro

Com muito estoque e pouca demanda, profissionais se apoiam no jogo de cintura para seguir vendendo carros no Brasil
AB
Por
27.07.2023 às 17:45 • Atualizado em 12.11.2024
Compartilhe:
Com muito estoque e pouca demanda, profissionais se apoiam no jogo de cintura para seguir vendendo carros no Brasil

Falar que o atendimento tem que ser excelente chega a ser ridículo de tão óbvio. Então por que nunca paramos de ouvir relatos de exemplos de falta de respeito, descaso ou pior, de preconceito?

Não são poucos os perfis em diversas plataformas que criam vídeos de ficção mostrando situações bem radicais de preconceitos por cor, aparência, vestuário ou tudo junto. Tudo para provar que não podemos recair sobre estes pecados e agir de uma forma injusta.

Mas sabe o que é mais legal? Isso não é nem um pouco novo. E falo dos casos reais e das literaturas que tentam orientar sobre a correção destes atos. Provavelmente apenas alguns se lembrarão dos vídeos criados pela Siamar, uma antiga produtora especializada em materiais corporativos. Ela criou diversos vídeos que eu assisti até os idos de 2000 e pouco em treinamentos corporativos pelos quais passei. E acreditem, eles existem até hoje para compra no site da Siamar.

Você pode se interessar por:

Então por que sentimos que nada muda? Se os erros de atendimento permanecem desde os primórdios e os treinamentos e materiais tem apenas evoluído no seu formato mas sempre com as mesmas lições, o que deve ser feito?

Só há uma resposta: “continue a nadar, continue a nadar” - como diria Dory. Então, mãos a obra!

Antes de entrarmos na parte comportamental e técnica, vamos contextualizar.

O mercado de automóveis passou por um momento muito diferente durante a pandemia, entre 2020 e 2021. Por todos os motivos inimagináveis como afastamento dos funcionários, posterior retorno parcial em um mundo onde a falta de matéria-prima e consequente falta de componentes era catastrófica e, por fim, com uma logística global em frangalhos, a oferta de veículos despencou de uma forma vertiginosa.

No começo os níveis de estoque pré-pandemia atendiam os poucos clientes que apareciam, mas pela parada de produção quase total, rapidamente tudo mudou.

E neste “novo” mercado os vendedores se encontraram em um cenário onde a função era bem próxima a um tirador de pedido. O cliente chegava, solicitava um modelo, o preço beirava a tabela e o prazo de entrega em alguns casos chegava a 180 dias. Claro que não podemos generalizar, mas boa parte dos vendedores pararam de se preocupar em descobrir as reais necessidades dos clientes, afinal eles eram em uma quantidade muito maior que o estoque de carros.

Mas nada dura para sempre na vida. A pandemia se dissipou. A geração de matéria prima, com raras exceções, voltou a sua disponibilidade junto aos componentes e capacidade logística.

Hoje temos um mercado com estoque excedente e clientes escassos. E é nesta hora que a porca torce o rabo. Bora atender e encantar!

E como fazer isso com maestria? Não existe uma verdade absoluta, mas existem passos obrigatórios.

Primeiro conhecimento de produto. Pode ser clichê, mas ser na sua área uma referência como alguém que te atende na Apple para explicar os atributos de um IPhone, é primordial. Em um mundo de redes sociais e conteúdos diversos, onde os clientes podem e buscam sim o máximo possível de informações sobre o que ele deseja comprar, ser o vendedor mais bem preparado é básico. Tenho uma máxima na vida que aprendi apanhando muito: você deve ir para uma reunião, ou neste caso para um atendimento, sempre sendo o mais preparado para este momento. Isso aumenta e muito suas chances de sucesso.  

Precisamos também dominar a atual comunicação digital e todas as suas peculiaridades. Assim como a informação está muito mais acessível que no passado, as demandas de respostas mais efetivas e imediatas são exigidas pelos clientes. O sistema está mais bruto do que nunca já que o consumidor tem a expectativa de ser respondido por um contato ou pedido que ele tenha feito quase de que forma automática ou em no máximo 10 minutos. Quem não faz assim é considerado lento, acredite.

Mas sendo franco, esta conversa sobre resposta de leads em menos de 10 minutos já faz parte do script de todas as montadoras quando se administram os processos de funil de vendas e qualidade no atendimento. Com isso em mente, basta o processo ser seguido e o cliente estará satisfeito, correto? Infelizmente, não.

Atender de forma rápida e de acordo com a expectativa do cliente, apenas sacia a necessidade dele de ver as coisas andarem de uma forma ágil. Se isso vai atender o que ele realmente deseja, são outros quinhentos.

Para esta parte dar certo, entramos nas áreas comportamentais e técnicas do atendimento.

A comportamental traz o modo de pensar e agir de cada vendedor e consequente forma de tratar e dialogar com o cliente. Neste primeiro ponto do atendimento gosto de fazer uma analogia à medicina e utilizar a ferramenta da anamnese como atividade obrigatória.

A anamnese normalmente é uma entrevista realizada pelo profissional de saúde ao seu paciente, que tem a intenção de ser um ponto inicial no diagnóstico de uma doença. Para a venda de um automóvel ela deve ser vista como uma entrevista que tem o objetivo claro de entender os reais valores, necessidades, gostos e finalmente expectativas de cada cliente que nos procura. Será que isso realmente importa? Eu tenho certeza que sim. Todo mundo quer ser ouvido e melhor, entendido.

Quando o vendedor entende quem é o cliente dele e suas reais necessidades, ele assume um poder incomensurável. Pois, a partir deste ponto, ele tem a capacidade de oferecer a opção perfeita para atender as necessidades acima. Imagine quantos clientes se dirigem até uma concessionária com a intenção de comprar um produto baseado em definições - muitas vezes mais emocionais do que racionais - e acaba por escolher um modelo que não tem nada a ver com o que ele precisa. Acredite, isso acontece muito.

E é neste momento que as técnicas de atendimento aparecem. Quando o vendedor começa a oferecer o que é correto, sem fazer a famosa empurroterapia onde ele quer somente vender, ele oferece o produto que somada à sua argumentação baterá com tudo que o cliente lhe disse anteriormente, e aí o sucesso é um fato.

Imagine você como cliente. Em quantas situações o vendedor não quis te ouvir e só tentou vender o que ele queria vender? Aposto que veio a sua cabeça ao menos três experiências neste sentido.

Não é fácil para um vendedor realizar o atendimento com anamnese, afinal ele sofre pressões diárias relacionadas às suas metas de vendas de veículos, seguros, financiamentos, garantias estendidas, acessórios, emplacamentos e tudo mais que se possa inventar.

O que ele precisa entender é que cada cliente que sai satisfeito vai lhe render muito mais, seja através de recompras ou melhor ainda, através de inúmeros relatos sobre como você o atendeu e que irá contar nos almoços de família, encontros dos amigos e reuniões no seu trabalho. É natural, todo mundo curte contar algo no qual fez a melhor escolha.

Estas experiências podem chegar a situações intrigantes onde extremos podem ocorrer. Um cliente pode sair com um ticket médio de gasto menor ou maior que o previamente imaginado. E tudo por que o vendedor ao realizar a anamnese entendeu que ele não precisava de tanto e podia investir menos que o esperado para ter o que realmente precisava. E ainda pode aumentar caso a necessidade real seja maior que a erroneamente apresentada pelo cliente.

Este processo pode parecer simples e óbvio, mas lembre-se que para fazer isso como vendedor, você precisará dominar técnicas de atendimento para ser persuasivo, vencer objeções, convencer pela melhor escolha e por fim fazer o cliente mudar de lado e começar a ele mesmo a ser o vendedor. Quando se vê este ponto de inflexão, o mundo parece brilhar porque isso significa que você fez seu trabalho e atingiu o resultado.

Mas é bom ter cuidado. É neste ponto que você pode assumir o papel errado e achar que tudo está feito. Ledo engano. O seu cliente ainda espera muito de você e isso é uma grande oportunidade de encantar ainda mais. Seja cuidando do endosso do seguro que ele já tinha (sim, você não vendeu o seguro, e daí), dos acessórios que você ajudou a vender, da liberação e garantia do processo de financiamento, do emplacamento e por fim do momento mágico da entrega.

Cada processo pode parecer simples, mas se não bem administrado pode fazer todo o encantamento desmoronar! Basta o acessório não estar instalado quando o carro estiver emplacado e pronto para entrega que o que poderia ser perfeito se torna um “ah foi legal, mas...”

E depende de você ser perfeito. Muitos dos processos acima não estão diretamente na sua mão como execução final, mas isso não importa. Costumo falar que um vendedor é quase um assistente de luxo, um concierge. Ou, como diria o personagem de Cuba Gooding Jr. no filme “Jerry Maguire: a Grande Virada”, Rod Tidwell: o vendedor é o embaixador do “Quan", que nada mais é que a felicidade suprema. Você quer ser este vendedor? Eu quero!

Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.

Adriano Castello Branco Resende, casado com a Renata e pai do Diego. Formado em Administração e MBA em Marketing. Apaixonado por carros e com mais de 25 anos de experiência no mercado, com passagens nas áreas de Marketing, Produto e Comunicação em marcas como Fiat, Chrysler, Jeep, Nissan, Jaguar Land Rover e Renault.

Comentários