Como os anos 1990 transformaram os carros brasileiros para sempre
Por Antonio Frauches, Podcast Perda Total
Costumamos falar muito por aqui sobre a década de 1990, seus carros e suas mudanças. Se você não viveu, não se recorda ou não prestou atenção nos anos 90, pode achar estranho. Afinal, o que aconteceu de tão importante lá? Simples: tudo mudou!
Para entender um pouco melhor o impacto dos anos 90 no mercado automobilístico brasileiro precisamos voltar um pouco mais no tempo. No início do século 20, havia a escuridão... E 100% da nossa frota era composta de importados. Não havia fábricas ou montadoras instaladas aqui.
O começo de tudo
Romi-Isetta, o primeiro carro a ser fabricado no Brasil
A Ford foi uma das pioneiras, montando aqui modelos fabricados em Detroit, como o icônico Modelo T. Nessa época, habitavam nossas ruas esburacadas modelos americanos, como Oldsmobile, Plymouth, Studebaker, e europeus, como Peugeot, Opel etc.
Nos anos 50, as coisas começaram a mudar. A Romi, empresa nacional sediada em Santa Bárbara D’Oeste (SP), começou a fabricar sob licença da Isetta o famoso Romi-Isetta.
Que só não é por unanimidade o primeiro automóvel de passeio fabricado no Brasil por, teoricamente, não ser um automóvel. Pois por possuir uma única porta - e dianteira, ainda por cima -, contraria uma definição comum, que diz que automóveis têm duas portas ou mais.
Depois do Romi-Isetta, algumas outras marcas se aventuraram a fabricar modelos por aqui, muitas começando através de intermediários, como a Brasmotor.
Dentre elas, basicamente duas sobreviveram: VW e Chevrolet, visto que a Ford se tornou apenas importado desde o ano passado. Mas tínhamos outras marcas importando regularmente, como Mercedes-Benz, BMW, Volvo e Alfa Romeo.
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Um mercado fechado (e defasado)
Com o mercado fechado, Brasil viveu décadas acostumado a modelos que eram verdadeiras gambiarras sobre rodas: plataformas antigas e tecnologias extremamente defasadas
O início do governo militar e sua política de protecionismo praticamente impossibilitaram a importação de produtos, mantendo, assim, nosso mercado automotivo isolado do mundo por mais ou menos 25 anos. Nesse período, a mudança mais significativa do mercado foi a chegada da Fiat, começando a fabricar a linha 147 em Betim (MG).
Os carros lançados por aqui nas décadas de 70 e 80 eram praticamente Frankensteins. Uma mistura de carros lançados na Europa, no mínimo cinco anos antes, com algumas atualizações de design. Exemplo? VW Passat, Chevrolet Chevette e Chevrolet Opala.
Ou ainda modelos fabricados sob licença de outras marcas, com várias adaptações para redução de custo. Exemplo: Ford Corcel, que na verdade era um Renault 12 com penduricalhos da marca americana do oval azul.
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Os anos 1990 e a saída das cavernas
Chrysler Stratus era símbolo de status na década de 1990: importado, sofisticado e com visual moderno para a época
Então veio o fim do governo militar, a hiperinflação do governo Sarney e o governo Collor. Dentre as reformas realizadas, estava a abertura do mercado. Entre 1990 e 1994, nosso país foi inundado por importados muito mais modernos que nossos nacionais.
Isso, aliado ao otimismo presente na época e alimentado pelo Plano Real, forçou as montadoras já estabelecidas aqui a evoluir seus modelos, extremamente defasados à época.
Em 1994, nosso mercado já tinha opções como Honda Civic, com injeção eletrônica multiponto, cabeçote com 16 válvulas e que, em algumas versões, contava até com comando variável. E tinha também o VW Fusca Itamar, basicamente o mesmo carro desde os anos 40, acrescentando novas lanternas traseiras...
Abertura estimulou até a produção de modelos mais refinados em nosso país, como o Honda Civic (representado nesta imagem pela primeira e a útima gerações produzidas localmente)
Se você fosse um apaixonado por carros e andasse pelas ruas de uma metrópole nos anos 90, não conseguiria prestar muita atenção no seu caminho, tamanha era a quantidade de modelos diferentes. Avistar um Chrysler Stratus era muita loucura para uma mente acostumada com VW Santana e Chevrolet Omega.
Nesse turbilhão de importados, tivemos modelos muito emblemáticos, como os Alfa Romeu 145 e 155, Mazda 626, Subaru Impreza, Suzuki Swift, Dodge Dakota, Mercedes-Benz C 180, BMW 318i, Volvo S40, Citroën ZX, VW Golf…
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Esse impacto é sentido ainda hoje. Impossível dizer, mas se não tivéssemos essa abertura do mercado na década de 90, naquele momento de otimismo nacional, certamente não teríamos a onda dos anos 2010, onde nosso mercado esteve bem próximo de ficar paralelo com o europeu, tendo os mesmos modelos vendidos aqui e lá.
Golf Mk7: depois de muitos anos, voltávamos a ter carros equiparados ao mercado europeu
Para nós, entusiastas, foi um momento de esperança. Depois de anos voltávamos a ter carros interessantes, com soluções modernas. E até algumas promessas diferentes, como o Hyundai Veloster. Infelizmente, a década de 2010 trouxe a crise, que só piorou desde então, o que acabou fechando um pouco, e de novo, o nosso mercado.
Nossa economia nem um pouco estável, que pula de crise em crise, não ajudou. Além disso, a indústria automotiva tem uma enorme força, conseguindo com seu lobby ações como redução de IPI para nacionais e aumento da alíquota de importação... Isso afugenta marcas interessadas em nosso mercado gigante.
Só nos resta torcer para nosso mercado não se fechar novamente...
Antonio Frauches, engenheiro mecânico e entusiasta do mundo automotivo.
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Imagens: Divulgação e Domínio Público
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.
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