Crise de semicondutores vai longe e deixará carros ainda mais caros
Por Homero Gotardello
A maioria das pessoas já viu um microprocessador, mas pouca gente sabe o que são semicondutores.
Visualmente, eles são identificados como pequenos filetes que alimentam circuitos integrados, microchips, diodos e transistores, por onde passa a corrente elétrica que dá vida a praticamente tudo o que usamos, dos smartphones aos sistemas fly-by-wire da aviação comercial e militar.
Do controle das maiores centrais de energia do mundo aos dispositivos microscópicos da nanotecnologia, não há como pensar em alimentação sem semicondutores. Nos automóveis atuais, a eletrônica embarcada já representa 40% do custo de produção.
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Apenas para o leitor ter uma ideia da verdadeira dependência que a indústria automotiva tem em relação a este insumo, de acordo com a GM do Brasil, cada unidade de um Chevrolet Onix embarca mais de 1.000 semicondutores. E, segundo a Stellantis, o rival Fiat Argo possui cerca de 1.100.
Desse total, 30% são empregados nos dispositivos de segurança; 25%, em conectividade; 30%, em itens de conforto e conveniência; 15%, no trem de força.
O prejuízo das montadoras com a escassez de semicondutores em números
O desabastecimento global desse importante insumo acarretará uma perda de receita da ordem de US$ 110 bilhões (cerca de R$ 560 bilhões) para as montadoras só em 2021, segundo a consultoria AlixPartners.
Ocorre que, desde o início da pandemia, houve uma reconfiguração do padrão global de consumo, aumentando significativamente a procura por esta matéria-prima nos últimos 12 meses.
Em decorrência disso, a indústria de semicondutores não vem conseguindo suprir as cadeias produtivas, o que afetou sobretudo o setor automotivo, com atrasos nas entregas e aumentos de custos que desaguaram na paralisação de inúmeras linhas de montagem nos quatro cantos da terra.
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Em 2013, cada veículo embarcava, em média, US$ 310 em semicondutores, valor que deve chegar a US$ 600 no ano que vem.
“A escassez de semicondutores é um problema estrutural”, avalia o diretor do escritório europeu da consultoria Roland Berger, Thomas Kirschstein, no seu mais recente memorando. “Estimo que [essa escassez] se prolongue por mais 18 ou 24 meses, a partir de agora”, acrescentou.
Quando a pandemia cerrou as portas dos concessionários, durante meses a fio em 2020, derrubando as vendas de veículos zero-quilômetro, houve uma conformação e as entregas de semicondutores focaram as manufaturas dos setores de informática e telecomunicação.
“Para salvaguardar o abastecimento futuro, para os próximos três a dez anos, os fabricantes terão que aumentar a padronização e reduzir a complexidade no controle e gerenciamento de estoque”, pontua Krischstein.
Trata-se de uma previsão bastante realista e que antecipa o encarecimento dos próximos lançamentos, já que a eletrônica embarcada verá sua composição nos custos dos automóveis saltar de 18% em 2000 para 45% em 2030.
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Sem solução em curto prazo
No início deste mês, a Bosch inaugurou uma nova fábrica em Dresden (Alemanha), que recebeu investimentos da ordem de 1 bilhão de euros (o equivalente a mais de R$ 6 bilhões) e teve seu início de operação antecipado para julho, em resposta à crise dos semicondutores.
No entanto, a linha destinada ao suprimento da indústria automotiva só será iniciada em setembro e, nunca é demais lembrar, a Bosch não produz semicondutores, mas itens que os usam como matéria-prima.
“É o maior investimento em 130 anos de nossa história, que contribuirá para reduzir a pressão sobre o fornecimento”, disse o presidente mundial da empresa, Volkmar Denner, durante a inauguração. “Todavia, vamos enfrentar um período difícil neste segundo semestre e a falta de microchips só deve ser suprida depois de 2022”.
Desde o ano passado, Toyota, Nissan, GM e Ford, além de todas as marcas do Grupo VW, têm sido as mais afetadas pelo estrangulamento da oferta em nível mundial.
Já no Brasil, Volkswagen (produção suspensa na fábricas paulista de Taubaté e paranaense de São José dos Pinhais), General Motors (vai suspender a produção em São Caetano do Sul, São Paulo, a partir do próximo dia 21, mas deve retomá-la na planta gaúcha de Gravataí, em agosto) e Nissan (já confirmou a suspensão das atividade em Resende, Rio de Janeiro) são os fabricantes que mais sofrem neste momento.
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“Neste ano, não teremos solução para o desabastecimento”, declarou o presidente da Anfavea (Associação Nacional de Fabricantes Veículos Automotores), Luiz Carlos Moraes, em entrevista recente à Quatro Rodas.
A AlixPartners prevê um encolhimento de 3,9 milhões de veículos na produção mundial até o final deste ano – em janeiro, a previsão inicial apontava uma redução de 2,2 milhões de unidades.
“Esta crise trouxe à tona a necessidade de construir resiliência da cadeia de suprimentos no longo prazo”, analisa o especialista em prática automotiva da consultoria, Mark Wakefield.
“Hoje, um modelo médio conta 1.400 microchips e este número só vai aumentar, na medida em que a indústria continua sua marcha em direção aos veículos elétricos, cada vez mais conectados e, eventualmente, autônomos. Estamos diante de uma questão crítica”, alerta.
Como se vê, a indústria automotiva inclui sistemas complexos de fornecimento, produção e varejo, que apenas espelham os problemas que nascem no elemento mais diminuto da cadeia de suprimentos, que são os ‘wafers’ – finíssimas fatias de material semicondutor.
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Sem perspectivas de solução imediata, aventa-se agora um novo capítulo nesta crise: “Ainda não apuramos o impacto financeiro consolidado do desabastecimento, mas será enorme”, disse o presidente do grupo Stellantis (que reúne marcas como Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën), Carlos Tavares, durante evento promovido pelo jornal britânico Financial Times.
“Trata-se de um mercado muito competitivo e não descartamos a possibilidade de tentarmos um reembolso – uma indenização, arbitrada internacionalmente – dos prejuízos que tivermos”, completa o executivo.
A crise, pelo jeito, ainda está longe de acabar.
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