Fiat Uno: o lendário Fiat que virou sinônimo de robustez e economia
Na Itália do final dos anos 70 a Lancia precisava de um novo modelo para o seu portfólio. Com isso, nasceu o primeiro rascunho do carro que viria a ser o Fiat Uno. Alguns anos após o start, a subsidiária da Fiat desistiu do desenvolvimento desse produto, repassando os estudos iniciais a matriz.
Como se tratava de um carro que foi concebido para um público-alvo de luxo e consequentemente, com valores avançados, o projeto teve de ter seus custos adequados à realidade da Fiat, sendo barateado e simplificado para se encaixar como um popular.
O projeto foi desenhado pelo famoso escritório Italdesign, de Giorgetto Giugiaro, e tinha como objetivo substituir o Fiat 127, parecido com o nosso 147, e inicialmente foi batizado de Tipo 146. Entretanto, o projeto era chamado pelos trabalhadores envolvidos de “Uno”, numeral um em italiano, uma simplificação do código utilizado. A fabricante gostou do apelido e esse foi o nome adotado mundialmente no modelo, sendo lançado na Europa em 1983.
Em seu lançamento o Uno utilizava o mesmo propulsor do seu antecessor, com 903 cm³ e pacatos 45 cv. Em 1985, com o lançamento do motor Fire na Europa, o carrinho era agraciado com esse propulsor que só deu as caras no modelo Brasileiro em 2001.
Na Europa, em 1987, estreou o Uno Selecta, que utilizava a transmissão CVT!. O Uno europeu foi oferecido em diversas versões e, assim como o nosso, teve seu auge com a versão esportiva turbinada. Como principal diferença entre o Brasil e o resto do mundo está o facelift sofrido pelo Uno europeu em 1989, deixando-o parecido com o Fiat Tipo que tivemos por aqui, e com o incrível coeficiente de arrasto aerodinâmico de 0,3.
Com uma gama repleta de opções, que começavam nos motores de menos de 1L, passando pelas opções movidas a Diesel e os esportivos turbinados, a produção do modelo Italiano foi encerrada em 1995, após o lançamento do Punto.
A história do Uno no Brasil foi um pouco diferente, uma vez que o nosso solo e características de rodagem forçaram uma modificação na suspensão do modelo Europeu. Para isso, a sede tupiniquim usou a plataforma do conhecido 147, mantendo a suspensão traseira independente, suportada por um feixe de molas transversal e elevando a altura em 15 cm em relação ao Uno original.
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Outra modificação foi a adoção do estepe no compartimento do motor, o que resultou num aumento da capacidade do porta-malas e um aumento da tampa do capô para abraçar o estepe.
Do lado de cá do oceano, o nosso modelo foi lançado em 1984, com o mesmo motor do Fiat 147, um Fiasa de 1050 cm³ e 1300 cm³. Produzindo 52cv na versão S de menor deslocamento e 59 cv na CS no 1.3 litros, ambos eram equipados com câmbio de cinco velocidades, algo que era ainda novidade por aqui. Assim, para a época, o Uno apresentava excelentes desempenho e economia.
Algumas novidades ergonômicas e seu painel satélite logo caíram no gosto do nosso mercado, iniciando o sucesso de vendas do modelo. Já em 85, o pequeno popular ganha sua primeira versão “apimentada”: a 1.3 SX, que trazia como novidade a adoção de um carburador de corpo duplo, elevando sua potência para 71 cv. Um foguete!
Com o sucesso de vendas do modelo, em 1987 a Fiat optou por iniciar a sua linha R no hatch. Para isso o velho 1.3 litros Fiasa foi substituído pelo moderno SEVEL 1.5 litros, que rendia 86 cv.
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O visual do modelo foi bastante esportivado, com direito a cintos de segurança vermelhos, faixas e cores chamativas. Pode-se dizer que o 1.5R chama atenção até hoje pelo seu estilo.
Também no mesmo ano iniciou-se a produção de seus derivados sedã, perua e picape/furgão, batizados de Prêmio (Duna nos mercados da América latina), Elba e Fiorino.
Em 1990 o modelo ganha pela primeira vez a opção de quatro portas, na versão importada da Argentina batizada de CSL, que adotava o motor 1600 cm³, um ligeiro aumento do conhecido SEVEL 1500 cm³, que beirava os 88 cv na versão à álcool. O novo motor também substituiu a versão esportiva, que foi renomeada para 1.6R, repetindo o sucesso da antecessora.
Neste mesmo ano, a Fiat deu sua maior cartada rumo ao sucesso do pequeno carro: o lançamento do Mille. Este foi, sem dúvida, um dos movimentos que mudou o padrão de carros populares vendidos no Brasil na década de 90.
O Uno Mille usou de um incentivo fiscal de incentivo para vendas de populares, concedido a veículos abaixo de 1L, no governo Collor e produziu uma versão de 994 cm³, que era na verdade uma redução do motor Fiasa do lançamento, de 1050 cm³, entregando pacatos 48cv e 7,4 kgfm de torque, que ainda foram reduzidos após a obrigatoriedade de utilização de catalisadores alguns anos mais tarde.
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O modelo era supersimples, sem nada além do que era necessário. Com isso, o Mille custava algo em torno de US$ 7 mil, potencializando as já boas vendas do veículo em nosso mercado.
No mesmo período as versões S e CS, que utilizavam o motor Fiasa de 1.5 litros receberam injeção eletrônica monponto, que lhes desobrigava da utilização do catalisador e a consequente perda de potência.
O primeiro facelift aconteceu em 1991, com o objetivo de tornar o modelo de sete anos mais atualizado e atraente ao mercado. O modelo perde a “frente alta” e ganha faróis, grade e para-choque remodelados, atualizando levemente o design. Também nessa atualização o modelo perde o painel satélite e ganha atualizações internas de padronização de cores e tecidos.
Em 1992, com o objetivo de recuperar a potência perdida em virtude das normas de poluente vigentes, a engenharia da Fiat lança uma atualização do motor do Mille, que conta com o inédito sistema de ignição eletrônica, que gerava na versão à álcool 56 cv e 8,2 kgfm de torque. O Mille Eletronic inaugurou números expressivos para um popular da época.
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O sucesso foi tão grande que o modelo começou a atrair não só consumidores de carros populares, mas também um público de carros mais requintados. De olho nesse movimento a fabricante lançou a versão ELX do modelo, que contava com opcionais como vidros elétricos, ar-condicionado e travas elétricas.
Em 1993, o modelo 1.6R recebe injeção eletrônica multiponto, atualizando sua potência para excelentes 92 cv. Com isso, e de olho no sucesso da versão turbo no mercado externo, em 1994 era vez do Uno Turbo desembarcar no Brasil.
Para tal, foi importado o conjunto mecânico semelhante ao italiano de 1.4 litros turbo e um câmbio mecânico inédito para o modelo, além de um caprichoso trabalho de remodelação do visual. O pequeno hot hatch rendia 118 cv e 17,5 kgfm, que aliado ao baixo peso e excelente acerto davam ao carro a capacidade de fazer 0 a 100 km/h na casa dos 9 segundos.
Com esse lançamento, e as vendas já baixas do 1.6R, não fazia sentido a continuidade do modelo, que foi transformado na versão 1.6 MPI. Assim o apelo esportivo dava lugar a um produto mais completo.
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Em 1995 o modelo Mille recebia tardiamente o sistema de injeção eletrônica monoponto, e transformava-se em Mille EP, que consagrou a venda de populares para um público mais exigente, através da melhoria dos acabamentos e reforço visual. A potência agora partia de 58 cv à gasolina.
Com a chegada do Palio em 1996, a gama de modelos do Uno é significativamente reduzida, perdendo a versão turbinada e todas as demais além dos modelos 1.0. A Fiat se preparava para uma queda nas vendas e para o fim do modelo, fato que não se concretizou. Com isso a vida do carrinho foi se arrastando sem muitas novidades até o fim dos anos 2000.
Ainda com boas vendas, em 2001 o modelo ganhou o moderno motor Fire 1.0 8v. Essa modificação lhe concedeu uma melhoria expressiva em consumo e desempenho, embora os números de potência do novo propulsor fossem menores do que os do velho Fiasa, rendendo 55 cv e 8,5 kgfm. Esteticamente o modelo recebeu alguns ajustes para atualizar sua imagem e foi nomeado de Smart.
Em 2004 o modelo recebeu um controverso facelift, talvez o mais feio de sua história, e recebia componentes de acabamento interno provenientes do Palio. Também nessa época o carro passou a ser chamado somente de Fiat Mille.
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Devido a péssima aceitação do mercado dessa reestilização do modelo, em 2006 a Fiat fez nova mudança no design do carro. Na mecânica, ocorreu a chegada do motor flex. Com isso o modelo conseguiu atingir bons números de desempenho devido ao baixo peso. O novo propulsor entregava 65 cv/66 cv e 9,1 kgfm /9,2 kgfm consumindo gasolina e etanol, respectivamente.
O mesmo ano foi o palco para o lançamento da amada e odiada versão Way. Pegando carona na febre, que a Fiat ajudou a criar, dos aventureiros na década de 2000, o Way era uma versão pseudo off road do Mille. Nada mais era que o mesmo carro, com alguns apliques visuais e suspensão elevada e recalibrada. O modelo era um dos nacionais mais baratos a época, o que lhe rendia bons números de venda, mesmo sendo basicamente o mesmo Uno dos anos 1980.
Em 2009 novamente a Fiat apostava no carrinho. Para seguir o movimento de carros econômicos, foi lançada a versão Economy, O objetivo era claro: ser o carro mais econômico da categoria. Entretanto, nenhuma mudança significativa foi feita, limitando-se ao econômetro no painel de instrumentos e leve recalibração do motor.
Com o anúncio da modificação da legislação do Brasil para 2014, obrigando todos os veículos a possuir airbags frontais e freios ABS, o pequeno Mille foi deixado de lado, devido ao orçamento necessário e a idade do projeto.
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Em 2013 a Fiat lançava a versão de despedida Grazie Mille, limitada a duas mil unidades, como uma despedida aos 3,7 milhões de carros produzidos durante a sua longa trajetória de 29 anos no mercado brasileiro, e aos 8,8 milhões de unidades vendidas mundialmente. O modelo de despedida contava com uma série de opcionais, como rodas de liga-leve, rádio com USB, direção hidráulica, ar-condicionado, vidros e travas elétricas, entre outros.
Após a despedida, o novo Uno, produto lançado em 2010 assumiu o legado da nossa “botinha ortopédica”, mas nunca conseguiu repetir tal sucesso, sendo descontinuado em 2022.
E você, teve uma história com o modelo? Eu tive algumas e sempre adorei o popular. Econômico, com desempenho bom, resistente e de baixa manutenção, tem um legado verdadeiro e até hoje tem grande fã clube espalhado pelo mundo. O carrinho foi tão bom que hoje é difícil encontrar um em bom estado, com preço baixo. O Fiat Uno vende rápido e tem baixa desvalorização no mercado.
E sim: pesquisas mostram que ele com escada no teto se transforma num esportivo ultra potente...
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.
William Marinho, engenheiro mecânico e entusiasta do mundo automotivo.
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Jornalista Automotivo