Lewis Hamilton e Vini Jr. são forças do esporte que sofrem do mesmo mal
Certa vez, quando eu era criança, minha mãe chegou em casa com um pequeno saco de moedas que ela tinha recebido de troco no supermercado.
Ela deu as moedas pra mim e pra minha irmã com a única condição: de que a gente deveria contar e dividir igualmente entre nós. Como a minha irmã é mais velha, ela gentilmente liderou a distribuição me dando o dobro de moedas que ficavam com ela.
Na época eu achei que estava me dando bem, mas tempos depois eu entendi que cada moeda tem um valor e que curiosamente a minha irmã tinha ficado com todas aquelas que valiam mais.
Traumas familiares à parte (até porque eu faria o mesmo se tivesse um irmão mais novo), foi naquele momento que aprendi que existem situações em que é impossível sair vencedor, mesmo que pareça ser apenas uma possibilidade.
Estendendo esse pensamento para o cotidiano adulto, podemos dizer que a vida, para a grande maioria das pessoas, é um jogo com o resultado já definido.
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Tirando as exceções à regra, o sucesso de alguém depende de que tipo de oportunidades esse ser terá durante seus dias — e eu não preciso nem dizer que essas oportunidades não são distribuídas de maneira justa por aí.
Mas existe uma esfera em que isso é, por vezes, amenizado: o esporte. No esporte tudo o que foi falado aqui continua valendo, mas em muitos momentos nada supera o talento genuíno.
Dinheiro possibilita preparação, gera oportunidades… só não compra a habilidade natural de chutar e arremessar uma bola, ou pilotar um carro em altas velocidades.
Isso especificamente transforma o esporte em uma grande metáfora de como deveria ser a vida se ela fosse justa.
Porque, pelo menos por algumas horas ou minutos, nós temos a impressão de que quando se solta competidores em um campo, quadra ou pista, nada mais importa, só o talento e a competência deles.
Independente de cor, gênero ou qualquer outra coisa, o gol do futebol tem o mesmo tamanho para todos, assim como o aro do basquete e as curvas da Fórmula 1, entre outras coisas.
Uma boa prova disso é ilustrada numa passagem do ótimo livro “Soccernomics” — fica aí a recomendação — em que os autores explicam, com dados econômicos, como os negros começaram a ser aceitos em equipes inglesas de futebol.
Basicamente, os times pioneiros na aceitação de jogadores negros passaram a ter resultados melhores gastando menos, já que esses jogadores inicialmente recebiam salários mais baratos pela dificuldade de encontrarem times para jogar.
Isso fez com que, pouco a pouco, todos os clubes da elite inglesa fossem obrigados a contratarem negros caso quisessem competir com igualdade. Perceberam na marra que a visão da negritude como raça inferior não fazia o menor sentido lógico.
Mas por que eu estou falando sobre tudo isso? Porque depois de um estádio de futebol inteiro insultar o brasileiro Vinicius Jr. em 21 de maio de 2023 (último domingo), decidi abrir mão da pauta do cancelamento do GP de Ímola para abordar um tema mais urgente.
Há três temporadas falo sobre Fórmula 1 na internet e em todas elas tive que abordar o tema racismo quanto a, obviamente, um piloto do grid em específico: Lewis Hamilton.
O piloto tem 38 anos e Vini, 22. Eles são dois dos melhores atletas do mundo na atualidade. Ambos multicampeões, ambos inegociavelmente talentosos, consagrados e… deslocados.
Deslocados por terem alcançado uma posição que o mundo insiste erroneamente em dizer que não deveria ser deles. Desconfortáveis em lugares em que eles deveriam ter tronos de respeito eterno por tudo que fizeram. Única e exclusivamente por conta de suas cores de pele.
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Apesar de estarem em momentos muito diferentes de carreira, ambos seguem vivendo as mesmas dores e passando repetidamente pelos mesmos traumas, num ciclo sem fim.
Vini Jr., que já me fez chorar de alegria pelos gols inesquecíveis que fez pelo meu time, nesta semana encheu meus olhos de revolta por tudo que tem passado na Espanha. E o mesmo, com as devidas adaptações, se aplica a Hamilton.
Até quando? Até quando os dois, e muitos outros em suas áreas dentro e fora do esporte, vão ter que lutar contra a impunidade dos racistas e a desfaçatez de quem diminui a importância dessa causa?
Eu adoraria estar aqui, como sempre, fazendo um texto divertido cheio de piadas e ironias, mas hoje não tem clima pra isso. Hoje é dia de falar sério e apoiar um dos nossos.
Força, Vini. Você é muito maior do que eles jamais serão.
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.
Caio Diniz é relações públicas e ama todo tipo de esporte. É host do podcast Cronômetro Zerado, espaço no qual aborda a Fórmula 1 sempre de maneira leve e bem humorada.
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