Renault Kwid E-Tech pode “se pagar” no Brasil só depois de 280.000 km

Subcompacto quer ser o carro elétrico mais barato de nosso mercado, mas seu preço mostra o quanto a eletrificação ainda compensa pouco para o consumidor
JC
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17.12.2021 às 14:52 • Atualizado em 29.05.2024
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Subcompacto quer ser o carro elétrico mais barato de nosso mercado, mas seu preço mostra o quanto a eletrificação ainda compensa pouco para o consumidor

Por Homero Gottardello*

Não me canso de dizer que o mercado brasileiro virou uma vala comum para desova de todo tipo de veículo que, no além-mar, está encalhado, ultrapassado ou à beira da descontinuação. Por razões óbvias, esse encaminhamento é travestido de verdadeiro contributo tecnológico – uma enganação completa.

Neste contexto, a bola da vez é o Renault Kwid E-Tech, revelado em primeira mão pela Mobiauto, que nada mais é do que a versão elétrica do modelo, também conhecida como City K-ZE, Dacia Spring, Venucia e30, Dongfeng Aeolus EX1, Fengxing T1 ou Fengguang E1, dependendo do país onde é vendido e da marca que o comercializa.

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O importante, aqui, é informar o leitor, principalmente aquele mais crédulo nas boas intenções das montadoras, de que se trata de um produto de baixíssimo valor agregado, um elétrico de primeira geração, para não dizer um arremedo.

Na China, onde sua produção se concentra (na cidade de Shiyan), seus preços partem de 61.800 yuans ou o equivalente a R$ 53.900. Por aqui, vive de sonho quem espera um valor inicial abaixo de R$ 120.000, que na verdade deve se aproximar muito mais dos R$ 150.000. 

Por um veículo reprovado com louvor nos crash tests do Euro NCAP, principal e mais conceituado programa de segurança automotiva em nível mundial. No relatório final da mais recente bateria de testes do órgão, que avaliou 11 modelos elétricos vendidos na Europa, ele dividiu o título de “menos seguros entre todos os carros testados pelo órgão” com o irmão Zoe – que custa a bagatela de R$ 230 mil no Brasil.

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Muito inferior ao Zoe, o Kwid elétrico é equipado com um motorzinho de 45 cv (33 kW), capaz de levá-lo de 0 a 100 km/h em preguiçosos 19,1 segundos, com uma autonomia modesta, de 230 quilômetros sem necessidade de recarga das baterias de íon de lítio (de 27,4 kWh). Na Europa, onde é vendido como Dacia Spring, tem velocidade máxima limitada a 125 km/h. 

São números dignos do EV1, produzido pela General Motors entre 1996 e 99: além de bem menor que o modelo norte-americano, o Kwid E-Tech é 60% mais fraco e tem “alcance” apenas 2 quilômetros maior. 

Embora, seja preciso dizer, a Renault do Brasil já tenha informado que o Kwid E-Tech a ser importado para cá terá um conjunto de motor/câmbio diferente, "desenvolvido levando em consideração as condições do país”, conforme declarações de representantes locais da marca.

Para dois elétricos separados por nada menos que 25 anos, não há exagero em dizer que o lançamento da Renault já nasce com data de validade expirada, mesmo com as modificações mecânicas (motor elétrico provavelmente mais potente) que a fabricante promete adotar na versão vendida em nosso mercado.

“Nossas pesquisas revelam que 60% dos motoristas europeus usam seus automóveis exclusivamente para curtas distâncias. Não estou sugerindo que todos eles comprarão um Spring, mas estou certo que este é o tipo de veículo que os atende”, disse o presidente-executivo (CEO) da Dacia, Denis Le Vot, à revista britânica “Autocar”. 

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Na França, por exemplo, o Spring custa o mesmo que um Sandero e, na Europa, seu maior cliente é a empresa de compartilhamento Zity. Se você leu em algum lugar que o compacto sino-romeno é um dos elétricos mais vendidos do Velho Continente, não acredite, porque trata-se de uma mentira.

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Com 13.341 unidades comercializadas entre janeiro e outubro deste ano, somados os números de 28 países, o Dacia Spring não figura nem entre os dez primeiros da lista dos mais vendidos – o Fiat 500e, nono na tabela, vendeu 31 mil exemplares no mesmo intervalo. 

Outra mentira que se conta sobre o compacto é que ele usaria uma plataforma dedicada, o que não é verdade. O Kwid elétrico usa a mesmíssima base CMF-A, de baixíssimo custo e desenvolvida na Índia, de seu irmão equipado com motor a combustão interna, que remonta ao ano de 2015. 

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De “decepcionante” a “racional”

“Por muitas razões, a aquisição do Dacia Spring só faz sentido para motoristas que raramente se aventuram em uma rodovia e só se deslocam pela cidade. A falta de um sistema regenerativo, durante as frenagens, é decepcionante, e a recarga completa das baterias levam quase 14 horas”, avaliou a revista eletrônica britânica Electrifying, encabeçada pelo editor Tom Barnard e pelos apresentadores Ginny Buckley, Nicki Shields e Tom Ford. “O objetivo da marca foi manter os custos no mínimo”, diz seu veredito. 

Já a portuguesa Auto+ enxergou virtudes no modelo: “É uma opção racional para quem deseja converter-se à eletrificação. Por dentro, ele é simples, mas é bastante versátil, na cidade, e tem argumentos para satisfazer as necessidades de vários condutores”.

Mas há uma pergunta que poucos estarão dispostos a responder: afinal de contas, quanto custa o quilômetro rodado com um Kwid convencional e quanto custará esse mesmo quilômetro rodado com a versão elétrica que deve desembarcar por aqui entre junho e julho do ano que vem?

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Bom, temos uma resposta bastante objetiva e, na ponta do lápis, a diferença é bastante sugestiva. Tomando por base o consumo urbano de 14,9 km/l, com uso exclusivo de gasolina, no Programa de Etiquetagem Veicular do Inmetro, e o preço médio de R$ 6,24 para o litro do combustível (na Grande São Paulo), chegamos ao custo de R$ 0,42 por km rodado pelo Kwid Zen 1.0. 

Agora, tomando por base o valor de R$ 0,14 para o quilowatt-hora (valor do kWh sugerido pela Aneel), bem como consumo de 191 Wh/km, chegamos ao custo de R$ 0,03 para o quilômetro rodado com o futuro Kwid E-Tech. Ocorre que da mesma forma que o motorista não compra combustível, diretamente nas refinarias, temos que acrescer encargos, taxas e tributos que, na conta de luz, elevam o custo do quilômetro rodado com o compacto verde para R$ 0,10.

Note que, no papel, cada quilômetro rodado com a versão elétrica representaria uma economia de R$ 0,32 em relação ao modelo equipado com motor a combustão. Mas é exatamente aí que o consumidor precisa lembrar de um “detalhe”.

Se o Kwid E-Tech chegar ao Brasil com preço na faixa de R$ 120 mil, ele custará R$ 60 mil a mais que seu irmão Zen 1.0. Ou seja, só se pode falar em economia a partir do momento em que esta diferença for amortizada. 

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É aí que a porca torce o rabo, porque para descontar o que pagou a mais, o feliz proprietário do Kwid elétrico terá que rodar nada menos que 187.500 quilômetros. Agora, se a etiqueta chegar a R$ 150.000, prepare-se para ter de rodar 281.250 km até ter compensado no uso diário toda a diferença paga a mais na hora da compra.

Explicando de uma forma ainda mais clara: antes de rodar aproximadamente 200.000 km com o subcompacto verde, o “investidor” vai ajudar a salvar o planeta - isso se a fonte da energia elétrica usada não for suja -, mas não terá economizado um único centavo.

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Outros dois fatores importantíssimos precisam ser levados em conta: o primeiro é que, segundo dados da subsidiária nacional da KBB Brasil (Kelley Blue Book), referência há mais de 90 anos na precificação e avaliação de automóveis usados, o brasileiro roda, em média, menos de 13 mil quilômetros por ano com seu automóvel particular. 

O segundo é que, de acordo com a Cox Automotive, única empresa no mundo que oferece soluções completas para concessionários automotivos, a vida útil do pacote de baterias que equipa um elétrico não deve ultrapassar dez anos ou 160 mil quilômetros.

Nos Estados Unidos, o governo obriga as montadoras a darem garantia de oito anos para o conjunto e, hoje, a substituição de um pacote de baterias gira entre US$ 5.000 e US$ 15.000 (o equivalente a até R$ 85 mil).

Isso quer dizer que, muito antes de o comprador de um Kwid elétrico amortizar seu “investimento”, ele terá que gastar o equivalente a mais do que o valor de mercado do modelo, então usado, só para substituir o seu conjunto de baterias.

Ok, o foco principal das vendas do Kwid E-Tech será corporativo, ou seja, para empresas. Mas a matemática, ciência exata como é, de clareza solar, deixa claro quanto um carro elétrico ainda está longe de valer a pena no Brasil, a não ser que seja de luxo. Será que, ainda assim, teremos fila para aproveitar este “negócio da China”?

Com a palavra, a Renault 

Em contato com este colunista após a publicação do artigo, a Renault apontou, por meio de nota oficial, que o artigo "faz uma crítica à substituição da bateria e ao seu custo, mas não compara, por exemplo o custo de manutenção mais baixo ao longo do período de uso do veículo, bem como os menores impostos como IPVA cobrados em alguns estados".

E segue: "Além disso, a substituição da bateria só ocorreria por algum problema, não é uma operação prevista em manutenção. Nestes casos, após análise técnica, não é, obrigatoriamente, necessária a troca da bateria. É possível trocar somente o módulo que eventualmente esteja danificado". 

“Um outro ponto que não foi mencionado, mas que é, claramente, uma forte tendência é a utilização dos veículos elétricos por empresas em função de objetivos ESG – Ambiental, Social e Governança. Nestes casos é característica uma alta quilometragem que torna a equação ainda mais favorável para os veículos elétricos”, aponta a fabricante.

"Nossa posição como fabricante de veículos é oferecer as mais diversas soluções para as mais diversas necessidades e não temos dúvidas que o carro elétrico é, cada vez mais, uma alternativa viável para diversas aplicações", completa.

Errata do autor: Na primeira versão desta publicação, informamos equivocadamente que, “para descontar o que pagou a mais, o feliz proprietário do Kwid elétrico terá que rodar nada menos que 545 mil quilômetros. Agora, se a etiqueta chegar a R$ 150.000, prepare-se para ter de rodar 818.000 km até ter compensado no uso diário toda a diferença paga a mais na hora da compra”, no que fomos prontamente corrigidos pela assessoria da Renault do Brasil – a quem agradecemos pela ajuda. Pedimos desculpas à Renault, aos leitores e à Matemática pelo erro “pitagórico”, e já atualizamos título e conteúdo do artigo com os cálculos e informações corretas.

*Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto

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