Carros elétricos fecharão 2024 com 10 milhões de unidades vendidas
O sujeito que é vítima de desinformação tem assentado no pensamento que os veículos elétricos (EVs) andam em baixa. Mas o noticiário de que as vendas de EVs estão retrocedendo é uma mentira tão idiota quanto a de que a Terra é plana – nunca é demais lembrar que, no Brasil, 10% dos jovens e adultos entre 16 e 24 anos creem que o planeta não é esférico e nem orbita o Sol, mas o contrário.
Infelizmente, para quem faz parte deste “seleto grupo de intelectuais” a única coisa que resta é o capim, mas para as pessoas normais é importante saber que as comercializações globais de EVs puros não só cresceram 13%, em 2024, como registraram um recorde no último mês de setembro.
A previsão para o fechamento deste ano é de 10 milhões de unidades, alcançando uma participação de 12% - somando os híbridos plug-in aos elétricos, esta fatia sobe para 20% e o volume total chega próximo de 17 milhões de unidades.
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“A partir de 2025, o mercado será totalmente revitalizado, já que teremos limites de emissões mais rigorosos e uma demanda consolidada. Gigantes tradicionais, como a General Motors, a Volkswagen e a Stellantis, também terão concluído a reformulação de suas cadeias de suprimentos, ganhando competitividade frente as montadoras chinesas”, pontua o analista Abnik Mukherjee, da Counterpoint, maior consultoria asiática do setor de tecnologia.
No Brasil, os EVs cresceram 30% só no mês passado – no acumulado entre janeiro e outubro, os modelos 100% elétricos saltaram de 6,8 mil unidades, em 2023, para 51,8 mil unidades, com alta de nada menos que 660%.
“A evolução da eletromobilidade brasileira também decorre dos investimentos em infraestrutura de recarga, que chegou a 10.622 pontos neste segundo semestre”, pontua o presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), Ricardo Bastos.
“Eu vejo que montadoras e empresas estão investindo bastante na interiorização e esse é um passo muito importante. Entre janeiro e outubro, 46% das vendas de eletrificados leves ocorreram fora das capitais”, destacou Bastos.
Mas por que o noticiário insiste no terraplanismo, afirmando que as vendas de EVs estão em baixa?
A explicação para a desinformação está na posição que as maiores montadoras instaladas no Brasil ocupam no ranking da eletromobilidade. Enquanto a Tesla, por exemplo, vendeu quase 1,3 milhão de EVs em nível mundial, só entre janeiro e setembro deste ano, a Volkswagen não chegou nem a 320 mil unidades. No mesmo período, a Toyota ficou na casa das 191 mil unidades, enquanto a líder global, a chinesa BYD, superou a marca de 2,6 milhões de unidades. Ou seja, com um volume comercial quase dez vezes inferior ao da BYD, a VW, a Toyota, as marcas do grupo Stellantis e outros fabricantes não têm interesse no crescimento da eletromobilidade por aqui. Até porque a alta nas vendas de EVs representa, na ponta do lápis, perdas de participação e faturamento para essas companhias.
Desde abril, o Brasil se tornou o maior importador de EVs chineses do mundo, superando a Bélgica. “Hoje, este fluxo se beneficia de cotas com alíquota zero de imposto de importação, mas o percentual de 35% será retomado, em 2026 – nos próximos 18 meses, a cota para modelos movidos exclusivamente a eletricidade supera os US$ 360 milhões. As empresas vão usar deste benefício ao máximo, já que é mais barato arcar com 1,5% de custo de armazenagem do que absorver o aumento progressivo das alíquotas até lá”, explica o sócio da consultoria automotiva Bright, Cassio Pagliarini. E a parceria com a China não se resume ao comércio exterior, mas à atração de fabricantes chineses para solo brasileiro.
“A América Latina, como um todo, experimenta seu alvorecer em relação aos EVs”, avalia Antonio Martins, especialista em indústria automobilística da Fundação Getúlio Vargas.
“A classe média percebe sua maior tecnologia embarcada, se sente atraída pela novidade e, com preços mais acessíveis, vem optando pelos EVs”, complementa Martins. A boa notícia é que a resposta chinesa ao aumento gradual das alíquotas de importação vem na forma de transferência da sua capacidade para o Brasil. E enquanto o país vive um “flerte” com o gigante da Grande Muralha, a maionese começa a desandar no hemisfério norte, onde a relação dele com o Tio Sam está azedando.
Respingo e aproximação
Na base do ou vai ou racha, a política comercial que o governo de Donald Trump deve adotar, a partir de 2025, impactará diretamente na virada da eletromobilidade. Não que irá contê-la ou freá-la, porque isso é impossível a “essa altura do campeonato”, mas o futuro presidente norte-americano há muito vê nos EVs “made in China” uma espécie de inimigo público e, durante sua campanha, propôs o aumento das tarifas de importação de seus produtos acima dos 60%.
“O setor automotivo estará especialmente exposto a novas restrições comerciais, neste segundo mandato de Trump. Os Estados Unidos, recentemente, já impuseram tarifas altíssimas sobre partes e veículos elétricos importados da China. E há a promessa de bloqueio de modelos de fabricação chinesa importados via México ou outros países”, destaca o analista Thomas Pothalingam, da consultoria britânica GlobalData.
“A expectativa é para aumento do protecionismo, principalmente em relação a tecnologias e EVs advindos da China”, acrescenta.
Em termos práticos, a carga tributária é uma preocupação para as montadoras, na medida em que eleva os preços finais de seus automóveis, o que influencia diretamente na escolha dos consumidores.
No Brasil, a disputa entre EUA e China deve respingar na forma de uma aproximação maior dos asiáticos, que fortalecerão seus laços com o Sul Global – nova demonização para o Terceiro Mundo ou países em vias de desenvolvimento, aqueles que têm suas histórias interconectadas pelo colonialismo e pelo neocolonialismo.
“Trump adota uma política externa isolacionista, antiglobalista e que não valoriza o multilateralismo”, aponta o professor Brian Wong, da Universidade de Hong Kong, especialista em geopolítica. “Com Trump acelerando a dissociação das cadeias de suprimentos, os chineses buscarão fortalecer seus laços com a Rússia e o Brasil, dentre outros países”.
Não foi à toa que o presidente chinês, Xi Jinping, e o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, chegaram a uma reaproximação, em outubro, ao mesmo tempo em que Pequim entrou em contato com o novo governo japonês, após anos de relações tensas.
Em sua passagem pelo Brasil para a Cúpula do G20, na semana passada, Jinping e o presidente Lula fortaleceram o alinhamento entre os países. “A China espera que o segundo governo Trump se desvincule ainda mais de acordos e compromissos internacionais, criando oportunidades para os asiáticos expandirem sua influência nos países emergentes”, pondera o membro sênior do Carnegie Endowment for International Peace, Tong Zhao.
“Por 15 anos consecutivos, a China tem sido o maior parceiro comercial do Brasil e uma de suas principais fontes de investimento estrangeiro”, lembra Zhao.
Jornalista Automotivo