Carros elétricos fazem consumidores abandonarem marcas tradicionais
Não existe casamento sem fidelidade e o brasileiro apaixonado por carros é um expoente da relação afetiva que, contrariando a lógica, se estabelece do homem para a máquina. Em que pese o fato de não haver reciprocidade entre pessoas física e jurídica, no campo sentimental, e de o amor tupiniquim jamais ser correspondido, na medida em que as marcas estrangeiras só têm interesse no suado dinheirinho do consumidor, trata-se de um quadro psiquiátrico que merece estudo.
Na Europa, por exemplo, os consumidores sempre valorizaram a reputação do fabricante, sobretudo, na hora da compra de um zero-quilômetro, mas a virada da eletromobilidade está mudando este cenário e, pelo menos por lá, a infidelidade avança sobre o amor platônico. Isso é o que aponta a mais recente pesquisa da Adevinta, grupo líder em classificados online, operando mais de 25 mercados digitais do Velho Continente, que ouviu 5.000 compradores e descobriu que quase 30% deles (28% para ser mais exato) pretende adquirir um EV de montadoras até mesmo desconhecidas, se divorciando dos fabricantes tradicionais e de seus modelos a combustão interna para viver uma nova paixão, agora em alta tensão.
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“A transição para os EVs nivelou o campo de jogo”, afirma o presidente-executivo (CEO) da ‘mobile.de e chefe do portfólio de mobilidade global da Adevinta, Ajay Bhatia. “De um lado, temos fabricantes emergentes e compradores com menos conhecimento técnico, mas abertos a novas marcas e com o desejo de se inserir na virada da eletromobilidade. De outro, temos as antigas montadoras, seus motores a combustão e um público conservador, que ainda não se aventura à compra de um EV ”, pondera Bhatia. “Independentemente das diferenças, para 45% dos pesquisados, a marca ainda é o fator mais importante para sua tomada de decisão”.
De acordo com a pesquisa da Adevinta, a Tesla tem a melhor reputação entre os fabricantes de EVs, com um “reconhecimento” de 48%, seguida pelas tradicionalíssimas Volkswagen e BMW, com 26% cada. Já a Polestar (marca de EVs da Volvo) e a chinesa BYD são consideradas por apenas 11% e 9% dos europeus, respectivamente.
“Me parece que este é o momento para as marcas alemãs dobrarem suas apostas, em termos de marketing, até para manterem suas posições comerciais. Historicamente, as montadoras germânicas são muito valorizadas, mas os recém-chegados podem alcançar a mesma confiabilidade e a mesma reputação dos alemães, nos próximos anos”, avalia Bhatia.
Nos Estados Unidos, oito de cada dez compradores estão abertos a adquirir seu primeiro EV de novas marcas. O estudo “EV Sentiment Survey” da Edmunds, maior empresa de pesquisas automotivas dos EUA, sobre modelos 100% elétricos, descobriu que 85% dos consumidores deste nicho consideram migrar para um fabricante do qual nunca compraram qualquer produto. “As montadoras tradicionais contam com a fidelidade de seu público para incrementar seus negócios”, afirma a diretora executiva da Edmunds, Jessica Caldwell.
“Mas os EVs estão mudando o padrão, rapidamente, e a lealdade automotiva já é coisa do passado. Basta ver que, em 2023, 63% dos norte-americanos que trocaram seu carro equipado com motor a combustão por outro, verde, também migraram de marca”, destaca Jessica.
Chineses são melhores e mais baratos
Quanto tempo levará para as linhas do gráfico se cruzarem não sabemos, mas apenas 30% dos ouvidos, na Europa, “desconfia” dos novos fabricantes. “Estimo que, em pouco tempo, as marcas europeias responderão por menos da metade das vendas continentais, mesmo com uma estagnação dos EVs no Velho Continente. No momento, tudo aponta para isso”, sublinha o vice-presidente de pesquisas da consultoria estratégica Gartner, Pedro Pacheco.
“Hoje, os modelos chineses já oferecem mais tecnologia embarcada, melhor performance e maior oferta de conteúdo, por preços menores. É um cenário, no mínimo, desafiador para as marcas tradicionais”, acrescenta.
Nos EUA, outro fator importantíssimo chama atenção: a preferência de jovens e dos proprietários de carros de luxo pelos EVs. “Nossos dados revelam que 79% dos consumidores de alto padrão pretendem migrar para um modelo totalmente elétrico, contra 27% dos norte-americanos de baixa renda, donos de modelos populares. Neste mesmo sentido, a pretensão de compra de um EV vai de 75% a 88%, entre os pesquisados com idades entre 25 e 44 anos, contra 27%, entre os que têm mais de 55 anos. As novas marcas têm uma grande oportunidade nestes grupos demográficos altamente desejáveis, mesmo havendo uma lacuna educacional que não os informa corretamente sobre disponibilidade, preço e alcance dos EVs”, avalia Jessica Caldwell, da Edmunds. “As montadoras antigas se acostumaram com padrões de fidelidade que não existem mais”, sentencia.
Para piorar a situação dos fabricantes ocidentais, quase 40% dos consumidores pesquisados, na Europa, comprarão um EV “made in China”, de marcas novas ou mesmo desconhecidas, assim que o alcance dos modelos elétricos for equiparado ao dos equipados com motores a combustão.
“Os europeus já perceberam que a oferta das marcas tradicionais não é tão boa. Eles olham para um Tesla ou para um BYD e veem que seus EVs têm características e desempenho superiores. E não há amor que os mantenha fiéis aos antigos fabricantes”, conta Pacheco. “Então, eles simplesmente mudam de um conceito que espelha o passado para outro, que lhes apresenta o futuro”.
De qualquer forma, a pesquisa da Adevinta aponta que Volkswagen (mencionada por 41% dos ouvidos), BMW (40%) e Tesla (27%) são consideradas as marcas mais confiáveis da Europa, enquanto Polestar (6%), MG (4%), BYD (4%) e Lynk & CO (3%) estão na extremidade inferior do espectro da confiabilidade. “Para manterem seu prestígio atual, no entanto, as montadoras antigas terão que fazer carros melhores, até porque os chineses já estão criando parcerias europeias, caso da ‘joint venture’ da Stellantis com a Leapmotor, para reforçar sua imagem não só no Velho Continente, mas no mercado global”, lembra Pacheco.
É esperar para ver!
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Jornalista Automotivo