Como Elon Musk usará “dinheiro de ficção” da Tesla para comprar o Twitter

Empresário usará papéis da fabricante de elétricos como garantia no negócio, transação que assustou investidores e fez marca perder R$ 740 bilhões em uma semana
HG
Por
02.05.2022 às 11:00 • Atualizado em 29.05.2024
Compartilhe:
Empresário usará papéis da fabricante de elétricos como garantia no negócio, transação que assustou investidores e fez marca perder R$ 740 bilhões em uma semana

A máscara do vendedor de sonhos Elon Musk pode ter começado a cair. “A compra do Twitter está se tornado uma âncora para a Tesla”, avalia o analista de compra de ações da Wedbush, uma das principais consultorias norte-americanas para gestão de patrimônio, Dan Ives.

“Musk criou um mar revolto para os acionistas da sua marca de veículos elétricos (EVs) e eles não esperavam condições tão ruins de navegação”, acrescentou. Os números falam por si só: nos últimos seis meses, o empresário vendeu nada menos do que US$ 20 bilhões (o equivalente a R$ 98,5 bilhões) de sua participação na montadora.

Anuncie seu carro na Mobiauto

Ao mesmo tempo, irá desembolsar US$ 44 bilhões (o equivalente a mais de R$ 215 bilhões) para assumir o controle de uma rede social que, teoricamente, tem valor de mercado quase 15% inferior ao que ele se dispõe a pagar. 

O resultado prático é que, só nesta semana, a Tesla perdeu mais de US$ 125 bilhões (o equivalente a R$ 615 bilhões) ou 10% de seu valor de mercado.

Não é preciso ser um gênio da Matemática para ver que a manobra de Musk fez sumir algo em torno de US$ 150 bilhões (o equivalente a R$ 740 bilhões), dinheiro que, apesar de nunca ter existido concretamente, já que é um derivativo e não capital produtivo, assusta os investidores que aplicam no mercado futuro.

Leia também: Como ficará o Brasil no plano de eletrificação de R$ 180 bilhões da Honda

Vivendo de ganhos futuros

Empresário usará papéis da fabricante de elétricos como garantia no negócio, transação que assustou investidores e fez marca perder R$ 740 bilhões em uma semana

Indagado pela revista “New Yorker” sobre as razões que levaram Elon Musk à oferta pelo Twitter, o advogado e colunista da “Bloomberg”, Matt Levine, formado na Faculdade de Direito de Yale e especializado em fusões e aquisições, não tergiversa: 

“Suponho que, para além de uma razão sociopolítica, ele deseja otimizar as interfaces para seu uso pessoal. Hoje, são as redes sociais que potencializam o valor de mercado da Tesla, que é um fabricante automotivo relativamente pequeno, em termos de produção”, comenta.

“Antes dos anúncios desta semana, a marca tinha valor de mercado de US$ 1,03 trilhão [o equivalente a R$ 5,13 trilhões]. E em última instância, é o ‘market value’ do fabricante que faz de Musk o homem mais rico do mundo”, prossegue

Levine vai além e classifica Elon Musk de “futurista”, justificando o adjetivo de forma muito didática: “Suas empresas têm mais expectativas sobre ganhos futuros do que faturamento real, no passado e presente. Além disso, o Twitter também não é uma empresa tão grande, em termos de capitalização de mercado”, pontua o especialista. 

Já sobre o fechamento do capital da rede social, o analista é ainda mais claro: “Do ponto de vista corporativo, a ideia é que o controle financeiro de uma empresa privada garante gerência absoluta”. 

Leia também: No Brasil, mesmo o carro elétrico mais simples está longe de ser popular

Empresário usará papéis da fabricante de elétricos como garantia no negócio, transação que assustou investidores e fez marca perder R$ 740 bilhões em uma semana

“Na prática, significa que Musk não precisará de um plano de negócios para submeter a acionistas ou à diretoria. Tecnicamente, ele seria o único dono da empresa e poderia fazer o que quisesse, mas sabemos que ele agregou capital de bancos e parceiros de investimento”, complementa.

Em termos de fortuna, a verdade é que ninguém o ameaça, mas Musk perdeu, nesta semana, US$ 18 bilhões (o equivalente a quase R$ 89 bilhões) de seu patrimônio líquido, ou seja, do dinheiro de que pode efetivamente dispor. E isso aconteceu ao mesmo tempo em que a Tesla anuncia ganhos acima do esperado para o primeiro trimestre deste ano. 

De qualquer forma, as ações da marca caíram, em 2021, quando ele vendeu US$ 16 bilhões (o equivalente a R$ 79 bilhões) de sua própria participação na companhia, justamente após usar o Twitter para perguntar aos seus seguidores se deveria, ao não, reduzir sua fatia do bolo.

Por outro lado, os acionistas atuais do Twitter receberão US$ 54,20 por ação, quando o negócio for efetivado, mas as cotas da rede social fecharam a semana em US$ 49,11 – perda de 9,5% que o próprio Elon Musk terá que suportar. 

Não que ele não tenha reservas para isso, até porque já está renegociando US$ 25,5 bilhões (o equivalente a R$ 125,6 bilhões) em dívidas com os credores do Twitter, ao mesmo tempo em que enxerga uma multa contratual de US$ 1 bilhão (o equivalente a R$ 4,92 bilhão), caso o contrato de aquisição seja rescindido.

Leia também: Como é a prensa gigante da Tesla que permite produzir carro 3x mais rápido

Salários milionários

Empresário usará papéis da fabricante de elétricos como garantia no negócio, transação que assustou investidores e fez marca perder R$ 740 bilhões em uma semana

O sul-africano não é o único a se dar bem com as especulações no setor automotivo. O presidente-executivo (CEO) da Lucid Motors, Peter Rawlinson, embolsou US$ 260 milhões (o equivalente a R$ 1,28 bilhão), só em prêmios, em 2021. 

E isso em meio a uma turbulenta volatilidade nos preços das ações, que chegou a derrubar a cotação de seus papéis em dois terços. Rawlinson é ex-designer da Tesla e a remuneração paga a ele, no ano passado, foi uma das maiores do setor industrial em nível global. 

A Lucid é californiana, mas planeja construir sua primeira fábrica fora dos Estados Unidos, na Arábia Saudita. Mary Barra, presidente-executiva (CEO) da General Motors há oito anos, também encheu os bolsos, em 2021, com um aumento de mais de 20% no salário. Ao todo, ela recebeu US$ 29 milhões (o equivalente a R$ 143 milhões).

Leia também: Como a VW criará carros elétricos nacionais movidos a etanol

“La garantía soy yo”

Empresário usará papéis da fabricante de elétricos como garantia no negócio, transação que assustou investidores e fez marca perder R$ 740 bilhões em uma semana

Por trás das cifras bilionárias, há um “detalhe”, no mínimo, curioso: enquanto os executivos do setor embolsam dinheiro de verdade, os valores envolvidos na dinâmica das bolsas são, na verdade, uma ficção. 

“Musk está assumindo um grande risco na compra do Twitter, ao usar ações da Tesla como garantia”, destaca o analista Russ Mould, da AJ Bell, empresa que fornece plataformas de investimento on-line e serviços de corretagem. 

“Afinal, se as ações da montadora despencarem, repentinamente, ele ficará em uma posição muito desconfortável”, acrescenta. “E este é um risco indeclinável, principalmente pelas incertezas que o negócio está gerando”.

“É claro que a Tesla tem seus ‘contras’ neste negócio”, afirma o gerente de estratégia de marketing da National Securities, Arthur Hogan, especialista em preservação de capital e segurança a longo prazo. 

“A marca precisa manter não só os preços de suas ações em alta, como também mantê-las aquecidas, atraindo mais investidores. E a expectativa de que Elon Musk possa estar pulverizando seus investimentos cria um certo receio”, diz.

Leia também: 19 carros híbridos e elétricos que devem ser lançados no Brasil em 2021 

Negócios da China

Empresário usará papéis da fabricante de elétricos como garantia no negócio, transação que assustou investidores e fez marca perder R$ 740 bilhões em uma semana

Há ainda uma questão política envolvendo a compra do Twitter e o fundador da Amazon, Jeff Bezos, aproveitou o bafafá para dar uma alfinetada em Elon Musk. 

“Passaria o governo chinês a ter influência no que se comenta na ágora do Twitter? Acho mais provável, a partir de agora, os chineses criarem problemas para a Tesla em seu mercado, em vez de se preocuparem, censurando a rede social”, comentou Bezos. 

Aqui, a polêmica parte do fato de a metade da produção global de EVs da Tesla se concentrar na China e de Musk querer dobrar seu volume local em Xangai. 

O chefão da Amazon sabe que a Tesla cresceu atrás da Grande Muralha graças a isenções fiscais, empréstimos “de pai para filho” e uma concessão inédita, à época, para que a marca não fosse obrigada a formar uma joint venture com um parceiro doméstico, garantindo total controle sobre sua operação. 

Leia também: Carro elétrico: 12 dúvidas muito comuns que todo mundo tem sobre ele

Empresário usará papéis da fabricante de elétricos como garantia no negócio, transação que assustou investidores e fez marca perder R$ 740 bilhões em uma semana

Mas, desde o ano passado, a montadora vem sendo perseguida por reguladores e pela mídia estatal, por causa de suas atitudes desleais em relação aos consumidores de lá.

“Penso que a ‘liberdade de expressão’ a que Elon Musk se refere, justificando a compra do Twitter por um viés político, tenha um contexto puramente norte-americano. Afinal, operar internacionalmente duas empresas como a Tesla e o Twitter pode trazer dificuldades”, expõe o advogado e colunista da “Bloomberg”, Matt Levine.

“Imagine se o governo chinês, por exemplo, condicionar a aprovação para venda de novos EVs da marca ou para licenciar uma nova fábrica ao fornecimento de contas de dissidentes do regime comunista”, segue. 

“É um tipo de pressão que Musk nunca sofreu como CEO de um fabricante de automóveis, e é também bem diferente das pressões que já sofreu da Comissão de Valores Mobiliários (SEC) norte-americana [no final de março, uma investigação sobre governança chegou a fazer as ações da Tesla caírem 16%. Ele pode estar comprando um problema].”

É como dizem os ditados: “O que vem fácil vai fácil” e “dinheiro é só papel pintado”...

Imagens: Shutterstock

Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto. 

Você também pode se interessar por:

Picapes elétricas invadem mercado com muito estilo e força de caminhão
O que ninguém conta sobre os carros elétricos
Montadoras lucram 315% mais na pandemia mesmo vendendo menos carros
Apple, Sony e Xiaomi correm para fabricar carros elétricos. Vão conseguir?
Como a China comunista fez vendas de carros superluxo baterem recordes 

Comentários