Crise: Volkswagen cogita fechar fábricas

Grupo precisa economizar mais de R$ 60 bilhões, até 2026; encerramento de plantas, que não ocorre há quase 90 anos na Alemanha, liga alerta no Brasil
HG
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04.09.2024 às 17:49
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Grupo precisa economizar mais de R$ 60 bilhões, até 2026; encerramento de plantas, que não ocorre há quase 90 anos na Alemanha, liga alerta no Brasil

A virada da eletromobilidade vem mexendo com todas as peças no tabuleiro do xadrez automotivo e há quem creia numa transformação tão grande, para as próximas décadas, que não restará pedra sobre pedra. Traduzindo, não são poucos os analistas internacionais, alguns deles das maiores consultorias mundiais, que cogitam a falência de gigantes do setor.

O alarmismo é reforçado, nesta semana, com a apresentação de um plano pelo Conselho de Administração da Volkswagen, que traz como meta o corte de 10 bilhões de euros (mais de R$ 60,2 bilhões) em custos, até 2026, e não descarta para isso o fechamento de fábricas na Alemanha, algo que não ocorre há quase 90 anos.

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“O conselho apresentou um plano irresponsável, que abala os alicerces da VW e representa uma enorme ameaça aos empregos e às instalações fabris”, avalia o representante negocial do IG Metall, maior sindicato alemão e maior sindicato do setor industrial de toda a Europa, Thorsten Groeger.

Para ele, a Volks está colocando suas perdas na conta dos trabalhadores. “Não aceitaremos que a empresa faça isso às custas da força de trabalho, desrespeitando acordos coletivos e causando perturbação social em nosso país”, acrescentou Groeger.

A discussão envolve a maior marca do grupo, a própria Volkswagen, que viu seu lucro operacional cair mais de 40% no último ano, de 1,64 bilhão (o equivalente a R$ 10,2 bilhões) para 966 milhões de euros (R$ 6 bilhões). Hoje, todo o Grupo VW tem uma capitalização de mercado de US$ 55,8 bilhões (o equivalente a R$ 313,4 bilhões), ocupando a 10ª posição entre as maiores companhias do setor automotivo em nível mundial.

Apenas para o leitor ter uma ideia, a Uber vale US$ 153,4 bilhões (o equivalente a mais de R$ 860 bilhões), portanto quase três vezes mais, enquanto o Banco Itaú vale US$ 60,7 bilhões (quase 10% mais). Traduzindo para o leitor que já se confundiu com tantos números, nos próximos dois anos, a empresa terá que economizar o equivalente a dez vezes seu lucro atual.

“Tanto o grupo quanto a marca Volkswagen estão em uma situação muito perigosa”, avalia o diretor do Centro de Pesquisa Automotiva de Gelsenkirchen, Ferdinand Dudenhöffer. O analista, que vê a crise de perto, sabe que o grupo precisará de muito mais do que fechar duas fábricas, na Alemanha, para alcançar a meta.

“Não é apenas uma abordagem míope, por parte do conselho, mas é sobretudo perigosa, pois corre o risco de destruir o coração da VW”, alerta Groeger, da IG Metall. E não é preciso ser médico para saber que, atingido o coração da companhia, certamente seus membros (superiores e inferiores, como é o caso do Brasil) entrarão em falência múltipla.

“Sobreviver”

Uma das mais importantes tarefas da assessoria de imprensa brasileira da Volks – e, por óbvio, de qualquer fabricante – é a blindagem do consumidor tupiniquim, evitando que más notícias cheguem aos seus ouvidos e que, com isso, o abalo na confiança se traduza em quedas nas vendas, mas não há como os sabujos daqui desmentirem os chefões de lá.

O objetivo do Conselho Administrativo da matriz é claro: “otimizar gastos para sobreviver à transição para os veículos elétricos”. O problema é que aumentar os ganhos da marca tornou-se praticamente impossível, já que os custos de logística, energia e mão de obra cresceram, enquanto sua margem de lucro caiu para 2,3%, durante o primeiro semestre deste ano, em comparação com os 3,8% do mesmo período de 2023.

"O ambiente econômico se tornou ainda mais difícil e novas marcas – chinesas – estão avançando. Não somos mais tão competitivos”, assume o presidente-executivo (CEO) da Volkswagen, Oliver Blume.

Pior, além de sofrer com a concorrência chinesa, já que a VW não consegue desenvolver EVs mais baratos e com a mesma qualidade dos asiáticos, a marca alemã também perde terreno na própria China – maior mercado de automóveis do mundo, quase duas vezes maior que os Estados Unidos.

Blume tem uma missão dificílima pela frente e vale lembrar que outros executivos que o antecederam, nominalmente Bernd Pischetsrieder, Wolfgang Bernhard e Herbert Diess, tentaram impulsionar os negócios, mas não conseguiram reverter a curva de perdas, nem no mercado doméstico. Em 2023, da capacidade instalada para 14 milhões de veículos, a Volks produziu apenas nove milhões de unidades.

Quem acompanha questões trabalhistas nos tribunais – como é o meu caso – e não apenas pelo noticiário sabe que, num cenário como este, o recomendável para os colaboradores da VW brasileira, inclusive os assessores de imprensa, é deixar as barbas de molho.

Na Alemanha, onde vive quase a metade dos 650 mil empregados da Volks, o enfrentamento será “feroz”, segundo a líder sindical e chefe do conselho que representa os trabalhadores da empresa, que ocupa metade dos assentos de supervisão da companhia, Daniela Cavallo. “A direção não desenvolveu estratégias competentes e, agora, quer economizar cortando empregos. Nós nos defenderemos, ferozmente, e não haverá fechamento de fábricas conosco”, assegurou.

Lá, o acordo que dá garantias de emprego aos trabalhadores termina em 2029 e os operários se preparam para negociações salariais, que começam no próximo mês, apoiados pelo governo da Baixa Saxônia, que possui uma participação de 20% - isso mesmo, a VW é uma empresa “semi-estatal”. Já por aqui, “o futuro a Deus pertence”...

Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.

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