Europeus ainda rejeitam carros elétricos e a culpa é destes dois detalhes
A eletromobilidade é uma realidade cada vez mais tátil na Europa, mas enquanto a indústria acelera para cumprir metas de emissões cada vez mais restritivas, os consumidores acabam tendo que correr atrás para se adaptarem à transformação.
Buscando saber o que as pessoas ponderam na hora da compra, um estudo feito pela plataforma Motus-E, em parceria com a empresa de pesquisas Quintegia e a Fundação Europeia para o Clima (ECF), ouviu mais de 14.052 entrevistados na Alemanha, no Reino Unido, França, Itália, Espanha, Polônia e Holanda.
Os dados foram reunidos no relatório “Mobilidade elétrica: inevitável ou não? Análise do ponto de vista dos consumidores” (tradução livre de “Electric mobility: inevitable or not? Analysis from the point of view of consumers”), que comentamos a seguir chamando atenção para um entendimento:
Zero por cento (0%) dos europeus espera comprar um modelo elétrico (EV) no futuro pelo preço que pagava por outro equipado com motor a combustão há dois ou três anos.
Quer queira, quer não, “a disparada de preços é um fator inexorável e, a partir de 2028, novos elétricos chegarão ao mercado por preços menos salgados, porém no mesmo patamar em que estacionarão os valores dos automóveis compactos”, adianta o secretário geral da Motus-E, Francesco Naso.
O primeiro e mais importante dado do estudo é facílimo de se compreender: a maioria dos europeus, 58%, está disposta a migrar para os modelos elétricos, mas o consumidor prefere esperar os preços assentarem e consideram os preços, hoje, cerca de 30% mais caros em relação a modelos equivalentes a combustão na Europa, injustificáveis em face da suposta economia.
“As pessoas que percorrem grandes distâncias já se beneficiam, hoje, com a escolha de um EV. O custo total de propriedade inclui os gastos diários e quem dirige mais de 30.000 quilômetros por ano, na Espanha, pode economizar 200 euros [equivalentes a R$ 1.110] por mês”, assegura a diretora geral da Organização Europeia de Consumidores (BEUC), Monique Goyens.
“Já um morador de Vilnius (Lituânia), que roda 12 mil quilômetros por ano, pode economizar quase 85 euros – R$ 475 – por mês. O que era ficção-científica, há cinco anos, se tornou uma oportunidade”, acrescenta.
A pesquisa estima que 2030 será o ano da virada, quando as vendas dos carros elétricos representarão 51% do mercado, chegando a uma participação de 77% até 2050.
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Como ficam a autonomia e as recargas?
Antes dessa consolidação, questões como autonomia, rede para recarga e custos de manutenção seguirão pesando em desfavor dos modelos elétricos, já que os entrevistados não consideram o hidrogênio ou qualquer combustível sintético – que ainda custa 80% mais do que a gasolina – como alternativa viável.
“A União Europeia (UE) vem cumprindo com os limites de emissões e, neste ponto, os automóveis estão claramente atingindo a meta, mas recarregar as baterias de um EV precisa ser tão fácil quanto abastecer o tanque com combustível”, pontua Monique.
“É por isso que aconselhamos a UE a focar as questões de infraestrutura de carregamento, com métodos de pagamento fáceis e preços por quilowatt-hora (kWh) semelhantes aos do fornecimento doméstico”.
São dados que, é verdade, parecem futuristas para a maioria dos brasileiros, já que até aquele primo que “entende muito de carro” vive na mais completa omissão diante do fenômeno da eletromobilidade.
E a eletromobilidade, como o próprio nome sugere, não é só a substituição de um motor de combustão interna por um propulsor elétrico, mas são todas possibilidades e as transformações que esta nova configuração energética vai determinar à forma de irmos e virmos, nosso deslocamento para o trabalho, nossos passeios, os serviços de compartilhamento e táxi, o transporte de cargas e a direção autônoma.
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“Conservadorismo”
Os europeus, ao contrário de nós, sabem muito bem que um automóvel recarregável na tomada de energia elétrica tem lá suas implicações.
Não é à toa que 77% dos entrevistados consideram indispensável o acesso a pontos de carregamento nas avenidas principais e estacionamentos, ao mesmo tempo em que 63% os querem como parte da infraestrutura pública, com um ponto de recarga rápida para cada bomba de gasolina.
“Em 2019, já havia cerca de 7,3 milhões de pontos em todo o mundo, mas cerca de 6,5 milhões eram carregadores particulares lentos para veículos domésticos em prédios residenciais e locais de conveniência”, resume o estudo “Global EV Outlook”, da Agência Internacional de Energia (IEA), ligada à OCDE.
“Globalmente, a infraestrutura rápida aumentou 60%, mas é a China que lidera os investimentos, particularmente em recarregadores rápidos, adequando suas densas áreas urbanas”, completa o documento.
Note que, no confronto entre os dados apurados e a análise da IEA, há, primeiro, uma sinergia entre o que a opinião pública percebe e aquilo que os órgãos de orientação para assuntos energéticos reportam.
Segundo, os consumidores europeus são pessoas muito conservadoras, mas no que diz respeito à oferta de serviços públicos.
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Para os 12% “mais radicais” dos pesquisados, que não têm um ponto de recarga doméstico – moram, por exemplo, em apartamentos de um quarto sem vaga de garagem para instalação do recarregador – um EV deveria custar, em média, 4.600 euros (o equivalente a R$ 23,4 mil) “a menos” que um modelo convencional com motor a combustão.
No aspecto setorial, também fica evidente a preocupação com uma paridade de preços, que depende essencialmente da redução do custo das baterias, mas também da introdução de modelos pertencentes a segmentos inferiores e do uso de plataformas dedicadas, o que permitiria aos fabricantes uma redução nos custos de produção 10% e 30%.
“Se os fabricantes usassem exclusivamente plataformas dedicadas a veículos elétricos, a paridade de preços entre os modelos elétricos e os equipados com motorização convencional seria alcançada até 2028”, analisa o vice-presidente para soluções industriais e de manufatura da Quintegia, Fabio Barbisan.
“Caso isso ocorresse, a demanda por EVs cresceria 80%, a partir daí, até 2030. Mas, para alcançarmos essa previsão, são necessários incentivos e iniciativas a níveis nacionais e europeu, cuja política desempenha um papel determinante”, acrescenta.
Para muita gente, a Itália é o país do Velho Mundo que melhor espelha o Brasil quando se trata de consumo.
De modo que o perfil do consumidor da classe média italiana, guardadas as devidas proporções que decorrem de seu maior poder de compra, serve de base para as expectativas comerciais relativas a um produto por aqui.
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Então, não deixa de ser muitíssimo interessante os italianos, especificamente, crerem que, em 2050, quatro de cada cinco veículos zero-quilômetros serão elétricos (77%). E que, daqui a apenas oito anos, os EVs terão participação de 51% nas vendas de carros de passeio no país.
“Para os italianos, o fator determinante é o preço”, avalia a redatora do grupo “la Repubblica”, Graziella Marinho. “Autonomia e facilidade para recarga, bem como outros custos, são aspectos secundários”, acrescenta.
No hemisfério sul, enquanto nossos legisladores dormem e, com seu sono, nos embalam em “berço esplêndido”, o Brasil vai se desindustrializando, enxugando a produção local do setor automotivo até o limite, ficando apartado do avanço industrial que, implacavelmente, transformará por completo o sistema de produção.
Vamos ficando para trás numa felicidade que só mesmo a abnegação de quem se preocupa mais com os ucranianos do que consigo mesmo pode encerrar.
Somos a versão “tropicalizada” do quarteto de cordas que segue executando o concerto, enquanto o Titanic afunda, só que pulando Carnaval. Temos, como sempre digo, tudo o que merecemos…
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.
Imagens: Murilo Góes/Mobiauto e Shutterstock
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Jornalista Automotivo