Feito “à mão”, protótipo como o da nova Montana custa o triplo de um Camaro
Um material divulgado na última semana pela General Motors, sobre a terceira geração da Chevrolet Montana, trouxe informações muito interessantes a respeito do desenvolvimento de um novo carro. Este é um tema que me fascina, em particular.
Tanto que, quatro anos e meio atrás, escrevi uma série de cinco reportagens então para o UOL Carros, explicando detalhadamente as complexidades e nuances de um processo muito mais demorado do que parece. São anos de evolução lenta e progressiva até que uma ideia de novo automóvel saia do papel para a linha de montagem. Confira:
Parte 1 - Fazer carro é tão caro que até Google e Apple desistiram
Parte 2 - Os incansáveis testes de durabilidade que ajudam a formar um carro
Parte 3 - Brasil é capaz de criar um carro sozinho? A história do Honda WR-V
Parte 4 - Múltiplas caras: definir visual de um carro é mais difícil do que você imagina
Parte 5 – Da mula ao carro: como surgem e para que servem os protótipos
Listei os textos acima porque trarão de modo um pouco mais detalhado um tema que aqui voltarei a explorar neste artigo. Isso porque, de acordo com a GM, os protótipos da nova Chevrolet Montana usados nesta fase final de desenvolvimento da picape foram “construídos artesanalmente, usando ferramentas especiais, incluindo impressoras 3D”. E custaram caro.
“Esses carros trazem características arquitetônicas e mecânicas idênticas ao do modelo idealizado pelos projetistas. Detalhes de design e acabamento, como os dos faróis, lanternas, rodas e painel da cabine costumam, nesta fase, desempenhar apenas um papel funcional, e não visual”, afirma o comunicado da montadora. Mas, afinal, o que tudo isso significa?
Carroceria definitiva, peças provisórias
A primeira questão é que os protótipos da Montana que aparecem no material da GM utilizam a carroceria e a mecânica definitivas da nova picape. Isso significa que já passaram do estágio de mula – um protótipo que possui dimensões e mecânica do modelo novo, incluindo entre-eixos e bitolas ajustados, se necessário, porém usando a carroceria de outro carro.
Mulas existem para testar as proporções, dinâmica e desempenho de um modelo novo mesmo sem ter condições de criar um protótipo com peças definitivas. Porém, no caso da nova Chevrolet Montana, os primeiros protótipos que surgiram desde a Coreia do Sul já contavam com a carroceria original do modelo, embora ainda desprovidos de diversas partes.
A GM costuma dar uma camuflagem mais pesada a protótipos desse tipo. Além de adesivos zebrados, cheios de desenhos para embaralhar os traços, eles costumam trazer espumas e capas de plástico preto.
Uma curiosidade sobre esse estágio do projeto é que todas as peças são construídas “uma a uma”, tanto pela própria fabricante quanto por seus fornecedores, pelo simples fato de que não existe uma linha de montagem preparada para confeccionar esse modelo, com moldes em larga escala.
Por isso se fala em “trabalho artesanal”, embora diversas peças sejam construídas, obviamente, por máquinas. Outras surgem por impressão 3D, já trazendo o desenho e as características do componente de produção. É como se deparar com aquelas réplicas de alimentos nas vitrines de um restaurante ou doceria.
A montagem desses veículos de teste costuma ocorrer em alas especiais das fábricas, voltadas especificamente a esse fim. Para a nova Montana, cerca de 50 engenheiros trabalharam nas montagens dos protótipos, segundo a GM.
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Durante essa etapa, tanto a montadora quanto suas fornecedoras terão que confeccionar do zero peças como recortes de estamparia, elementos de suspensão e painéis de acabamento interno. Eles terão sua durabilidade testada na prática através dos protótipos. Se necessário, passarão por ajustes até chegar ao desenho final e aos moldes de escala industrial.
Conforme divulgado pela própria GM, alguns elementos desses protótipos “desempenham apenas um papel funcional, e não visual”. Aqui, estamos falando de peças provisórias, ainda desprovidas do padrão estético definitivo do modelo.
Um exemplo cristalino disso, no caso dos primeiros protótipos da nova Montana, que possuem capas pretas, são os faróis e lanternas dotados de canhões halógenos improvisados em forma de círculos. É um padrão presente em todos os protótipos da General Motors no Brasil.
Já em outro protótipo da picape que surgiu nas últimas semanas, com grau menor de camuflagem – apenas o envelopamento zebrado –, percebe-se a presença de um conjunto óptico dianteiro definitivo, com luzes de LED.
Aqui, a fabricante já avançou mais um estágio no desenvolvimento, chegando às unidades pré-série: elas ainda têm componentes “artesanais”, mas já usam alguns processos em maior escala e servem de base para ajustar a linha de montagem, que, no caso da picape, será em São Caetano do Sul (SP).
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Brinquedo de até R$ 1,5 milhão
É devido a esse caráter tão artesanal que a própria Chevrolet fala em um custo de confecção que pode superar a faixa de R$ 1 milhão por protótipo.
“Construir um carro de forma quase artesanal, com o mesmo nível de desempenho e resistência de um modelo de série, chega a ultrapassar 20 vezes o preço de um carro tradicional”, calcula Dulio Freitas, gerente sênior de Engenharia Experimental da GM América do Sul.
Freitas não especificou se o cálculo foi feito com base em um carro do mesmo segmento ou um mais barato, nem se usa o valor de mercado (aquele que você paga na concessionária), de faturamento (sem levar em conta a margem das revendas) ou o custo produtivo (que não conta com a margem da própria fabricante).
Seja qual for o ponto de partida, o custo é bem alto. Se multiplicarmos por 20 os R$ 76.290 de um Chevrolet Onix 1.0 MT, atual modelo mais barato da GM no Brasil, chegamos a mais de R$ 1,5 milhão. Se considerarmos que esse produto custou R$ 38.000 para ser produzido (metade de seu preço final), ainda alcançamos a bagatela de R$ 760.000.
É praticamente o dobro ou mais que o triplo do preço final de um Camaro, oferecido atualmente por R$ 475.990 no Brasil.
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Por que gastar tudo isso?
Essa é a pergunta de R$ 1 milhão, com o perdão da brincadeira. O ponto é que, por mais que a simulação via CFD ou túneis de vento tenha evoluído sobremaneira nos últimos tempos, as fabricantes ainda precisam experimentar o resultado do projeto na prática, em suas pistas particulares de testes ou nas ruas.
Tais protótipos precisam rodar centenas de milhares de quilômetros em poucos meses, em ambientes dos mais diversos (nível do mar, serras, áreas de temperatura mais alta ou baixa...), a fim de averiguar o desgaste de componentes sob as mais diversas circunstâncias e antecipar possíveis falhas mecânicas ou estruturais do modelo.
E olha que nem isso evita erros como, por exemplo, a pré-ignição que levou a incêndios de algumas das primeiras unidades do Onix Plus, no fim de 2019...
No cômputo final, são de três a quatro anos de caminhada até o lançamento do produto. Como se vê, construir um carro é muito mais custoso, complexo e, por que não dizer, fascinante do que parece.
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Jornalista Automotivo