GM EV1: como 1º elétrico de massa no mundo fracassou e teve até funeral
No séc. II de nossa era, o sábio Sereno Sammonico, médico do imperador romano Marco Aurélio “Caracalla”, criou um jargão que, dois mil anos depois, ainda é tido como uma espécie de passaporte mágico. Em seu “Liber Medicinalis”, mais precisamente no capítulo 52, Sammonico receitava aos pacientes com malária o uso de um amuleto em forma triangular com a inscrição ‘abracadabra’.
De acordo com sua prescrição, a palavra seria capaz de curar doenças até mesmo fatais e, numa época em que todos acreditavam na Terra plana, este receituário foi seguido à risca. Dois milênios depois, ninguém mais acredita no poder de um ‘abracadabra’ ou na magia do “pó de Pirlimpimpim”, mas os negacionistas automotivos usam um ilusionismo muito parecido para refutar a virada eletromobilidade:
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“O carro elétrico não deu certo por três vezes e não será agora que vai dar”. Obviamente, nenhum dos “jênios” que repetem essa frase como papagaios sabe dizer, exatamente, como, quando e onde os EVs fracassaram, mas vamos ajudá-los contanto a história do mais representativo modelo deste segmento, o EV1, da General Motors, um automóvel que consumiu US$ 1 bilhão (o equivalente a R$ 4,95 bilhões) em investimentos e é cercado de tantos mitos quanto o esoterismo.
“Tudo no EV1 foi revolucionário. A estrutura em alumínio, a propulsão 100% elétrica e os freios regenerativos foram concebidos do zero. Seu perfil aerodinâmico – coeficiente de arrasto (Cx) de 0,19 – que, ainda hoje, é inigualado por modelos de produção, mostra que buscamos alterar o próprio DNA do automóvel. Do ponto de vista técnico, tínhamos engenheiros que haviam trabalhado em missões espaciais e no desenvolvimento de aviões de caça, especialistas em baterias, direção autônoma e físicos nucleares”, relembra o à época vice-presidente de pesquisas e desenvolvimento da GM, Ken Backer.
“O EV1 prenunciou o futuro, foi uma maravilha da engenharia, um dreno financeiro e, por fim, uma oportunidade perdida”, avalia Backer que, hoje, é presidente da TechBroker.
O cupê teve três versões, também chamadas de “gerações”. A primeira, de 1997, tinha autonomia combinada de menos de 130 quilômetros (79 milhas), que foi estendida para quase 170 km, na última versão, a única equipada com baterias de hidreto metálico de níquel (Ni-MH).
As duas primeiras versões usavam baterias de chumbo-ácido (VRLA), praticamente idênticas às que os automóveis com motor a combustão usam para arranque e periféricos, reunidas em um pacote com 26 módulos de 12 volts – só este pacote pesava 533 quilos. Para compensar o grande peso das baterias, a estrutura em alumínio era quase 55% mais leve que as convencionais, de aço. O EV1 tinha apenas dois assentos, sem banco traseiro, e 137 cv de potência. Acelerava de 0 a 100 km/h em 9 s e atingia a velocidade máxima (limitada) de 129 km/h.
Comparado ao Chevrolet Bolt EV atual, o EV1 era 15 cm maior (4,31 metros de comprimento), 0,5 cm mais largo (1,77 m) e quase 32 cm mais baixo (1,28 m) – apesar de só ter dois lugares, o modelo da década de 90 tinha distância entre-eixos apenas 10 cm inferior (2,51 m). Um dado interessante é que o GM EV1 pesava entre 1.320 e 1.400 kg, dependendo da versão, sendo até 20% mais leve que o “sobrinho”.
O Bolt EV leva vantagem, mesmo, é na autonomia: com alcance de 415 quilômetros, ele chega mais longe que o “tio” chegava, mesmo se atualizarmos os números do EV1 de acordo com o protocolo (EPA) de hoje, o que dá algo na casa de 220 km.
Início da saga
“A saga do EV1 começou no final dos anos 80, quando a Hughes Aircraft (uma subsidiária da GM) e a empresa de engenharia californiana AeroVironment uniram forças para construir um veículo movido a energia solar chamado Sunraycer, que venceu o primeiro World Solar Challenge, em 1987. Animados com os resultados, criamos um carro-conceito, o Impact, que foi apresentado três anos depois, no Salão do Automóvel de Los Angeles. Na época, o presidente-executivo (CEO) da General Motors era Roger Smith, que estava no final de seu mandato. Então, foi uma surpresa quando ele, no ‘apagar das luzes’ anunciou uma versão comercial do Impact”, conta Alec Brooks, à época vice-presidente e diretor de tecnologia da AeroVironment.
“Tínhamos a experiência do Sunraycer para criar um automóvel silencioso, de boa performance e livre de emissões. Smith nos deu 15 meses para concluí-lo”, lembra Brooks, que hoje desfruta da aposentadoria.
Se, hoje, os longos tempos de recarga são um “calcanhar de Aquiles” para os EVs, imagine no final dos anos 90, quando o EV1 precisava de pelo menos 15 horas conectado em uma tomada de energia convencional (de 110 volts), antes de sair de casa. É verdade que, com o MagneCharge (de 220 V), este tempo caía consideravelmente, para três horas, mas era algo novo e estranho para a maioria dos motoristas.
“Quando eu andei no Impact com Roger Smith, pela primeira vez, ele ficou muito animado e disse: ‘este é o melhor carro-conceito que já fizemos e temos que colocá-lo em produção’. Eu ponderei e disse a ele que, no pacote de baterias, tínhamos autonomia equivalente a um galão de gasolina e que era como se fizéssemos o reabastecimento com uma seringa”, rememora o entre vice-presidente de engenharia e energia da companhia, Don Runkle.
“Mas ele estava decidido e, em pouco tempo, já tínhamos o EV1”, conta Runkle que, hoje, é consultor de capitais no Grupo Holdsworth.
Num primeiro momento, o time de engenharia recrutado por Roger Smith chegou ao consenso de que seria possível fazer um EV com autonomia de até 120 quilômetros. “Nos preocupávamos, porque sabíamos que era um automóvel à frente do seu tempo”, pondera Runkle.
O chefão Smith havia comprado a Hughes, a Electronic Data e criara a Saturn, marca norte-americana que, entre 1985 e 2010, fez frente às japonesas (nominalmente à Honda e à Toyota) e que chegou ao Brasil com o tropicalizado Chevrolet Captiva, irmão gêmeo do Saturn Vue de lá – ambos eram feitos no México.
“O Impact era um carro-conceito que não tinha nada a ver com qualquer coisa que, efetivamente, rodasse nas ruas. Então, quando começamos a desenvolver o EV1, pensamos: ‘e agora, meu Deus?!?’. Empolgante não é o adjetivo mais certo para este tipo de responsabilidade”, recorda Byron McCormick, ex-diretor administrativo da Delco Propulsion Systems.
Troca-troca
Roger Smith anunciou a produção de uma versão comercial do Impact, em julho de 1990. No final daquele mesmo mês, Smith foi sucedido por Bob Stempel e o novo CEO demonstrou o mesmíssimo entusiasmo de seu antecessor.
“A General Motors estava na vanguarda de todas as tecnologias da indústria automotiva, mas a AeroVironment, apesar da engenharia avançada, não tinha experiência em produção e muitos recursos do Impact não eram factíveis no EV1 comercial. Stempel nos dizia: ‘pensem criativamente’ e era, mesmo, um ambiente muito desafiador para jovens engenheiros, mas o Impact parecia um disco voador. Ocupávamos o túnel do vento e outros programas, de outras marcas da GM, simplesmente não podiam usá-lo. Ficavam revoltados. No final, conseguimos um Cx de 0,19”, lembra o ex-diretor de tecnologia avançada da companhia, Bob Purcell que, hoje, é CEO da VIA Motors, montadora norte-americana que fabrica comerciais leves 100% elétricos.
Aquele julho de 1990 também marcou o início da chamada “Early 90s recession” ou ‘recessão do início de 90’, que durou até meados de 92, quando o desemprego alcançou um pico de 7,8%, nos Estados Unidos.
“Foi um período difícil, porque a GM perdia participação de mercado, ao mesmo tempo em que os custos de produção cresciam. Não era só o lançamento do EV1 que começava a ser colocado em xeque, mas o futuro do próprio grupo. Os acionistas sabiam que estávamos gastando dinheiro e, numa certa reunião, o vice-presidente da época nos disse para abandonar o projeto”, conta Ken Baker, então gerente do programa de EVs da empresa.
O fato é que, em outubro de 1992, portanto pouco mais de dois anos após assumir a direção da GM, Bob Stempel foi forçado a renunciar. “Sob o comando de um novo CEO, os planos de produzirmos 20 mil unidades do EV1 foram convertidos na produção de 50 protótipos para pesquisas de mercado. De repente, todos se deram conta de que aquilo era muito caro”.
Pouco depois, as primeiras unidades foram montadas e entregues a executivos, engenheiros e clientes seletos. O torque instantâneo do motor elétrico impressionou todos eles e, é importante destacar, que o EV1 oferecia chave com reconhecimento presencial e ignição remota, alerta de perda de pressão dos pneus, direção com assistência elétrica e climatização inteligente, além de freios ABS e controle de tração.
Por dentro, além do acabamento muito bem montado e do aspecto ‘clean’, ele trazia painel de instrumento digital centralizado, recuado para a base do parabrisa, e um console central repleto de controles – como num jato de passageiros da época – e com direito à rádio com CD e toca-fitas.
“As pessoas guiavam o EV1 e, sem perceber, ficavam com um sorriso no rosto. Mais do que isso, pessoas como Burt Rutan, um renomado engenheiro aeroespacial que testou o carro, comentavam que ele as havia ensinado a guiar economicamente. Jim Ellis, que foi engenheiro-chefe do desenvolvimento, testou um modelo no circuito oval de Bonneville, onde ele chegou a alcançar 290 km/h”, relembra Baker.
Em 1994, quando as pesquisas do ‘PrEView’ com consumidores foram concluídas, a posição financeira da GM havia melhorado, o otimismo voltara e ficou acertado que o EV1 entraria em produção.
Em março de 1995, o próprio Baker assumiu a vice-presidência de pesquisa e desenvolvimento da companhia e fez a apresentação do produto para o Conselho Diretivo: “Na sala do conselho, há retratos de todos os presidentes da GM, então você fica nervoso com eles te olhando. Mas, no final da minha apresentação, os conselheiros me aplaudiram!”
Em 27 de março de 1996, quase seis anos após o anúncio da produção do primeiro automóvel 100% elétrico de massa, o GM EV1 saiu da linha de montagem. Começava ali o segundo capítulo da história mais importante da indústria automotiva e que iria marcar a virada do milênio.
Foram necessários seis anos e meio de desenvolvimento para a General Motors lançar o EV1, comercialmente, em dezembro de 1996. Na época, o Ford Taurus reinava absoluto, como carro de passeio mais vendido dos Estados Unidos, e comemorava a conquista do “pentacampeonato” no mercado norte-americano.
Comparado ao Taurus, o EV1 levava desvantagem em tudo, do porte à motorização, quesito em que o Fordão oferecia até mesmo um V8 de 235 cv para sua versão topo de linha. “Foi um capítulo glorioso. Ficamos muito orgulhosos e, quando a primeira unidade saiu da linha de montagem, em março daquele ano, algumas pessoas chegaram a chorar. Foi um automóvel à frente do seu tempo e, naquela época, acreditávamos verdadeiramente na tecnologia”, conta Maureen Midgley, ex-gerente de produção do Lansing Craft Centre, onde o modelo era fabricado.
“O lançamento foi exibido nos concessionários, mas a companhia optou por não vendê-lo e ofertá-lo apenas por leasing, coletando dados com os clientes e mantendo sob controle aquilo que era a quintessência da eletromobilidade de então”.
O primeiro anúncio televisivo do EV1 custou US$ 1,5 milhão (o equivalente a R$ 7,5 milhões) só para ser produzido – fora os gastos com a veiculação do comercial. O filme publicitário era um romance de ficção científica, em que um grupo de eletrodomésticos (uma torradeira, uma máquina de waffle, um aspirador de pó, ferramentas elétricas e lâmpadas) sai correndo de casa só para observar um EV1 cruzando a rua.
A narração da atriz Linda Hunt anunciava: “O carro elétrico está aqui” – a peça foi indicada ao prêmio Emmy, de 1997.
“Revendedores californianos da Saturn foram os primeiros a exibirem o lançamento. Depois, ele foi ofertado no Arizona e na Georgia – cuja maior cidade é Atlanta. Havia uma equipe de marketing que, na época, cuidou de tudo: eles escolheram as regiões metropolitanas mais importantes para o programa e analisaram, um por um, os pedidos de cada cliente para garantir que o EV1 se encaixaria em suas demandas. Se o proponente, por exemplo, rodasse mais de 160 quilômetros por dia, o carro não lhe atenderia e, se não pudesse instalar um recarregador em sua garagem, o contrato estava fora de questão”, conta o então vice-presidente dos concessionários da marca, Peter Hoffman.
“O leasing era um bom negócio para os revendedores, mas este marketing dedicado nos distanciou da clientela, até porque os anúncios da GM nunca traziam a marca Saturn, como se o produto fosse um genérico. E cada concessionário tinha investido US$ 10 mil só para se preparar para a novidade”.
R$ 2.370 por mês
Hoffman, que hoje preside o Sierra Auto Group, estima que muitos revendedores não tenham nem amortizado este investimento, mas a General Motors produziu mais de 1.100 unidades, entre 1996 e 99, o que foi considerado um volume viável para um plano de longo prazo.
No Ano Novo de 1997, os contratos de leasing do EV1 traziam o preço-base de US$ 33.995 e o consumidor que tivesse suas credenciais aprovadas – e não apenas o seu crédito – pagava boletos mensais entre US$ 480 (o equivalente a R$ 2.370 atuais) e US$ 640 (R$ 3.160 atuais) para tê-lo na garagem.
Por falar em garagem, o MagneCharge, da Delco, custava US$ 1.995 extras e, para quem preferisse, havia a opção de alugá-lo por US$ 50 mensais – apenas para efeito de comparação, hoje, os norte-americanos pagam US$ 460 mensais, em média, pelo leasing de um Ford Explorer 2023.
“Em 1998, as campanhas publicitárias escassearam e fornecedores pararam de produzir itens de reposição do carro, o que aumentava o tempo de reparo, encarecendo o seguro. Um porta-voz da General Motors afirmou, tempos depois de o EV1 ser descontinuado, que uma lista de espera com 5.000 candidatos ao modelo terminava com a aprovação de apenas 50 deles. Lembro-me que conseguimos fechar 20 contratos em um único dia e comemoramos muito esta marca, mas, no fundo, sabíamos que este é um número muito pequeno diante do gigantismo do negócio da companhia”, rememora o ex-vice-presidente de vendas e marketing da Saturn, Joe Kennedy.
“Havia uma certa paixão no ar e muitas pessoas me procuravam com uma maleta cheia de dólares para comprar um EV1, mas era um automóvel de baixíssimo volume de produção”, acrescentou Kennedy que, hoje, é um dos principais executivos da Rippleworks.
Quando as baterias de chumbo-ácido deram lugar ao novo pacote, de hidreto metálico de níquel (Ni-MH), a autonomia do modelo dobrou, mas o conjunto era muito caro e tinha custo unitário de US$ 10 mil – isso, em um automóvel que tinha preço para o consumidor declarado em menos de US$ 34 mil.
Pior, executivos e membros do conselho da GM queriam investir na linha Hummer e em outros SUVs, porque, num capricho do destino, os preços da gasolina haviam caído e estavam abaixo de US$ 1, por galão, ou o equivalente a R$ 1,30, o litro – hoje, o valor médio, no Estado de Nova York, é de US$ 3,70, por galão (o equivalente a R$ 4,85, por litro).
“Muitas pessoas de dentro da GM se entusiasmaram, mas a alta cúpula nunca aceitou a ideia de um veículo 100% elétrico. No fundo, tudo foi montado para que eles pudessem manter controle e certificar-se de que não estenderiam o projeto”, avalia Kennedy.
Para azedar de vez as coisas, no final da década de 90, a relação entre a General Motors e o California Air Resources Board (CARB), que é a agência ambiental do governo estadual, tornou-se bastante tensa. A GM discordou das metas de emissão zero, impostas pelo CARB. Então, começou um conflito interno dentro da própria companhia, porque, de um lado, a montadora fazia lobby para derrubar a demanda por EVs, enquanto a engenharia seguia avançando, mesmo que lentamente.
“Eu sentia como se estivesse no comando de um experimento científico que, independentemente do avanço, não daria dinheiro. Então, as coisas mudaram administrativamente e cada linha de veículos passou a ter seu próprio demonstrativo de resultados (P&L). E quando vimos os gráficos de receitas e custos do EV1, foi uma sentença de morte”, conta Ken Baker que, desde 1995, assumira vice-presidência de pesquisa e desenvolvimento da companhia.
Deficitário e descontinuado
Deficitário, o EV1 foi descontinuado sem cerimônias, em 1999. Quatro anos depois, os últimos contratos de leasing estavam expirando e a GM exigiu que os clientes devolvessem os carros.
“Alguns deles estavam relutantes, implorando para comprá-los, mas a empresa recusou. Nosso plano foi esse, desde o início: quando o aluguel terminar, não haverá extensão e vamos, apenas, pegar o carro de volta. O cineasta Francis Ford Coppola estava tão apegado ao seu EV1 que relutou em entregá-lo, listando itens que deveriam ser aprimorados, mas nossa equipe foi à sua casa, no Napa Valley, e praticamente confiscou o carro de volta. Em julho de 2003, alguns viúvos e viúvas do modelo se reuniram no Cemitério de Hollywood e promoveram um velório para o automóvel, com direito a enterro”, lembra Baker.
Apesar de um vereador de Los Angeles, Eric Garcetti, ter se recusado a devolver seu EV1, afirmando que a GM teria que “arrancá-lo das mãos frias e mortas do carregador”, todo o projeto foi cancelado por uma razão muito simples: dinheiro.
Nos anos seguintes, as baterias avançaram rapidamente, mas nenhum EV1 experimentou essa evolução: a GM decidiu destruir todas as unidades produzidas por razões legais e de segurança, os esmagando e triturando em seu campo de testes no deserto do Arizona.
“Na verdade, compreendi a ideia de esmagá-los, porque o EV1 havia cumprido seu trabalho e, naquela altura, não havia razão para mantê-los. Foi um ato bastante dramático, um dia triste”, narra Ken Stewart, ex-diretor de marketing do produto e, hoje, presidente-executivo (CEO) da Bright Road.
Há quem diga que a principal razão pela qual aqueles foram esmagados foi o fato de, na época, o departamento jurídico da GM ser dez vezes maior do que a equipe de marketing do EV1.
“Enquanto a GM destruía os carros, uma pequena startup da Califórnia viu a oportunidade do veículo elétrico à frente e quase duas décadas depois, é impossível não se perguntar: será que a GM, que gerou tanta paixão e entusiasmo em torno dos EVs, teria sido a Tesla, se tivesse bancando este ciclo gestacional de investimentos? É lamentável que a direção da época tenha jogado fora uma posição de liderança na indústria automotiva. Nós jogamos tudo no vaso sanitário e demos descarga”, lamenta Stewart.
O fim da linha
Cada EV1 produzido gerou, na ponta do lápis, um prejuízo de US$ 80 mil (o equivalente a R$ 400 mil) para a General Motors. Trata-se, portanto, de uma questão bastante simples e tão elementar quando a esfericidade da Terra: apesar de a primazia, o cupê 100% elétrico gerava um prejuízo unitário que, no final dos anos 90, precisava ser compensado pela venda de 15 unidades do Impala SS, que era o sedã mais vendido da Chevrolet, no mercado norte-americano.
Hoje, existe apenas uma unidade funcional – ou seja, capaz de rodar – do EV1: ela está em exibição permanente no National Museum of American History, do Smithsonian Institution, em Washington (EUA) – o National Motor Museum sul-africano, em Birdwood, também possui uma unidade, mas inoperante.
Em 2019, uma unidade “desgarrada” do EV1 foi encontrada, abandonada, em um estacionamento de Atlanta, no Estado norte-americano da Georgia. Aparentemente íntegro, na parte externa, estava sem baterias.
Pelo menos 40 ex-engenheiros do EV1 ainda trabalham para a General Motors. Muitos são líderes no projeto Ultium, mas a maioria dos jovens que participaram do desenvolvimento migraram para outras empresas, como a CATL, a Canoo, a NIO, a própria Tesla e a Via Motors.
“Meu maior problema era mandar as pessoas para casa para dormir, porque trabalhavam o dia todo e metade da noite. Foi incrivelmente gratificante estar com pessoas que ousaram sonhar”, assegura Ken Baker, primeiro gestor de programa de EVs da GM.
Uma história e tanto, um dos capítulos, realmente, inspiradores dos 250 anos do automóvel, que nasceu com o “fardier à vapeur” de Nicolas-Joseph Cugnot, no final do século 18.
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto.
Jornalista Automotivo