Revolução silenciosa dos veículos autônomos já começou, e pelos caminhões
O brasileiro, do estudante ao eleitor, passando pelo universo de consumidores, vem se notabilizando mundialmente pelo negacionismo. A negação da ciência, combinada à falta do elementar bom senso, fez emergir um time de terraplanistas que, há poucos anos, não se imaginava que existia.
Mas a Terra redonda segue girando e, em sua esfericidade, os veículos autônomos (AVs) vão deixando os laboratórios e campos de provas para irem às ruas. Enquanto ainda existe gente negando a virada da eletromobilidade, o setor de transportes se prepara para uma revolução ainda maior do que a iniciada pelos veículos elétricos (EVs).
“Estamos falando de um mercado que vai saltar dos US$ 20,5 bilhões (o equivalente a quase R$ 110 bilhões), de dois anos atrás, para quase US$ 63 bilhões (o equivalente a R$ 330 bilhões), já em 2030”, projeta o diretor executivo da Associação dos Fabricantes de Veículos Autônomos norte-americana (AVIA), Jeff Farrah.
“Progredimos e cada vez mais operadores percebem que os veículos autônomos são a solução para seus negócios”, acrescenta ele, que representa desenvolvedores como Aurora, Cruise e Waymo, a Uber e a Lyft, além de Ford, Volkswagen e Volvo.
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Da mesma forma que ocorre com os elétricos, as montadoras vêm esbarrando em questões regulatórias para implantação e comercialização dos veículos autônomos. “Do ponto de vista tecnológico, a indústria vem se saindo muito bem, mas não vemos a formulação de políticas e, muito menos, de uma legislação para o setor”, pontua Farrah.
O fato é que fabricantes e fornecedores já investiram US$ 75 bilhões (o equivalente a mais de R$ 390 bilhões) em desenvolvimento sem, até agora, obterem retorno. Mas o que deveria ser um empecilho é, na verdade, um atrativo capital.
“Os investidores sabem que estamos cada vez mais perto”, comenta o fundador e presidente-executivo (CEO) da Kodiak Robotics, startup que acaba de levantar US$ 30 milhões (quase R$ 160 milhões) em capital privado, Don Brunette.
Bem longe do Brasil, Brunette opera caminhões de carga por quase 13 mil quilômetros entre o Texas e a Flórida, dois dos maiores Estados americanos.
Nas suas operações, o sistema autônomo dirige as composições – “ATs”, como são chamados, sigla para Autonomous Trucks ou... “Caminhões Autônomos”, na tradução do inglês – durante 94% do tempo, mesmo com um motorista a bordo.
Já na Europa, a Volvo apresentou, há dez dias, o EX90, SUV elétrico com sete lugares que começa a ser vendido no final deste ano. “Para o lançamento, não temos um EX90 que dirige sozinho, mas esta geração traz 16 sensores ultrassônicos, oito câmeras e cinco radares, além do sistema LiDAR”, destaca o diretor de mobilidade futura da marca sueca, Gaurang Kalsaria.
“Melhor do que isso, o modelo já vem equipado com um software que permitirá, futuramente, sua atualização para a condução autônoma”, acrescenta. As montadoras nunca jogaram dinheiro fora e, historicamente, jamais instalaram em seus produtos algo que não pudessem cobrar, mas também aqui a coisa está mudando.
“Quando você monta centenas de milhares de automóveis anualmente, sabe que cada centavo é importante para reduzir os custos. Mas chegamos à era dos elétricos e dos carros por assinatura e, hoje, o tempo médio que um comprador europeu permanece com seu veículo é de 12 anos, um recorde de longevidade”, detalha Kalsaria.
“Os preços dos automóveis 0 km estão nas alturas e os financiamentos já se estendem por oito anos, então pensamos em gerar receita futura. E, neste sentido, o lançamento do novo EX90, já preparado para uma atualização de condução autônoma, inova com a perspectiva de monetização para o futuro”, explica.
Eu sei muito bem que, para o negacionista brasileiro, é um verdadeiro golpe saber que tudo, mas absolutamente tudo que é anunciado como uma evolução pelo mercado automotivo é, na verdade, uma estratégia para abocanhar seu suado dinheirinho, mas não há nada que se possa fazer.
E é de olho no bolso de quem tem dinheiro que a startup chinesa de direção autônoma WeRide Technology entrou, confidencialmente, com o pedido de oferta pública de ações em Wall Street (vulgo, na bolsa norte-americana), para captação de US$ 500 milhões (o equivalente a mais de R$ 2,6 bilhões).
O objetivo é atrair novos investidores para se juntarem a ninguém menos que a Alliance (Renault-Nissan-Mitsubishi), a gigante estatal Guangzhou Automobile Group (GAC), a Bosch e o grupo de gestão de ativos Carlyle.
“Os veículos autônomos irão redefinir a relação entre homem e máquina, e o nosso foco, neste momento, são sistemas que integram o envolvimento humano na condução”, afirma o presidente-executivo (CEO) da Latitude AI, subsidiária que acaba de ser criada pela Ford para desenvolver tecnologias de automação, Sammy Omari.
A Latitude AI vai somar esforços à Mobileye no avanço do sistema BlueCruise, recém-disponibilizado para alguns modelos da marca. “Já acumulamos 80 milhões de quilômetros de condução autônoma”, sublinha Omari.
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Caminhões autônomos reduzirão custo operacional quase pela metade
Mas, antes de ter seu próprio AV, o leitor cruzará com muitos modelos comerciais e caminhões autônomos nas ruas e estradas.
“Nossos caminhões vão operar em um ‘loop’ de serviço contínuo, entre o centro de distribuição da supermercadista Kroger, em Dallas, e suas lojas da região. Serão quatro entregas diárias, sete dias por semana, em viagens que terão média de 95 km percorridos entre rodovias e vias expressas, a até 110 km/h”, conta o CEO da Gatik, empresa de caminhões autônomos que já opera com 25 pesos pesados para o Sam’s Club, no Texas, Gautam Narang.
Nos últimos dois anos, a Gatik levantou US$ 115 milhões (o equivalente a 605 milhões) em investimentos e, só em janeiro deste ano, recebeu mais US$ 10 milhões (mais de R$ 50 milhões) de injeção da Microsoft – que avaliou a empresa em US$ 700 milhões (R$ 3,7 bilhões).
“Enquanto a maioria dos transportadores autônomas oferecem serviços de longas distâncias, nos especializamos em trechos mais curtos”, disse Narang.
Apesar do sucesso no seu empreendimento, a Gatik mantém um motorista na cabine de cada um de seus caminhões autônomos, como reserva de segurança. “A automação vai, em breve, transformar os transportes logísticos e rodoviários”, afirma a fundadora e CEO da Waabi Innovation, desenvolvedora canadense, Raquel Urtasun.
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No início deste ano, a Volvo fez um grande investimento – sem declarar as cifras – na Waabi. “As montadoras precisam desenvolver seus negócios e a direção autônoma será implementada na movimentação de cargas, antes dos carros de passeio. Isso é uma obviedade que, só recentemente, foi enxergada por frotistas e transportadores: que eles têm que trabalhar juntos com os provedores de tecnologia”, acrescentou Raquel.
A realidade americana, neste setor, é muito diferente da brasileira. Lá, faltam motoristas qualificados para ampliação das frotas – as exigências para habilitação nas categorias que aqui equivalem aos tipos D e E de nossa CNH são rigorosíssimas –, enquanto aqui a desqualificação da mão de obra é latente.
“A substituição de caminhões convencionais por autônomos reduz os custos operacionais de um transportador em 45%, o que geraria uma economia anual de US$ 125 bilhões (o equivalente a R$ 670 bilhões) para o setor de logística, se toda a frota fosse autônoma”, prevê o relatório “Distraction or disruption? Autonomous trucks”, da McKinsey & Company, principal consultoria de gestão em nível mundial.
“Hoje, o e-commerce responde por 15% das compras feitas no varejo nos EUA. Ou seja, são compras feitas de dentro de casa e a Amazon, por exemplo, quer que seu serviço de entrega no mesmo dia salte dos 5% atuais para 15% em 2025”, completa o documento.
Em outras palavras, enquanto o negacionismo do “apaixonado por carros” leva uma verdadeira onda de terraplanistas automotivos que desacreditam da virada para a eletromobilidade e condução autônoma, os caminhões autônomos vão, a médio e longo prazo, simplesmente extinguir uma categoria profissional que, hoje, sustenta 2 milhões de famílias brasileiras...
Imagens: Shutterstock
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Jornalista Automotivo